Gratificação de titulação não será incorporada a vencimento de portuário

A parcela foi suprimida por ilegalidade na sua implantação.

A Companhia Docas do Ceará não terá de pagar a um portuário de Fortaleza (CE) gratificação de titulação por conclusão de ensino superior. O benefício de 30% sobre o salário base do empregado foi suprimido pela companhia em razão de ilegalidade na sua implantação.

O portuário alegava que a parcela teria aderido ao seu vencimento e fora retirada de forma abusiva pela Docas. Todavia, para o colegiado, como o ato de implantação foi ilegal, o empregado não tem direito adquirido à gratificação.

Direito adquirido

Admitido em janeiro de 1972, o portuário disse, na reclamação trabalhista, que a empresa havia instituído, em novembro de 2011, seu Plano de Cargos e Salários (PCCS), criando a Gratificação de Titulação, retribuição pecuniária devida ao servidor mediante apresentação de titulação acadêmica. Todavia, segundo ele, em fevereiro de 2018, a empresa suspendeu o pagamento, “de uma hora para outra”.

Vícios

A companhia justificou a exclusão da parcela dizendo que ela fora concedida de forma precipitada, sem que tivesse sido submetida à aprovação da diretoria executiva, do Conselho de Administração e do  Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no prazo de seis meses, após a implantação do PCCS. A Docas argumentou, ainda, que tem a prerrogativa de rever seus atos ilegais (autotutela), conforme a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal.

Autotutela

Em novembro de 2019, o juízo da 7ª Vara do Trabalho de Fortaleza condenou a Docas a pagar a gratificação desde a supressão até a data do julgamento. Segundo a sentença, a autotutela não pode ser exercida em detrimento da confiança dos administrados e deve ser sopesada para delimitar responsabilidade do Estado por seus atos, “preservando a estabilidade das relações jurídicas firmadas”.

Todavia, a decisão foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), que entendeu correta a supressão. O TRT avaliou que houve vício formal na implementação do benefício, que, portanto, não poderia gerar nenhum efeito para os seus destinatários, “devendo ser anulado pela Administração, em respeito ao princípio da legalidade”.

No recurso de revista, o portuário sustentou ter direito adquirido à parcela, “uma vez que a recebi de boa-fé, entre 2013 e 2018, ante a previsão no PCCS”.

Anulação e revogação

Na avaliação do relator, ministro Breno Medeiros, uma vez que o benefício não fora implementado como deveria, o ato que o implantou deve ser considerado nulo. Na sua avaliação, está correta a decisão do TRT que reconheceu os efeitos retroativo da medida saneadora praticada pela administração, “cuja ação se deu em autêntico exercício do poder de autotutela”.

Segundo o relator, a previsão de submeter à aprovação a implementação do benefício – e que não foi observada – estava contida nas próprias normas da Docas, “razão pela qual a ilegalidade é congênita aos atos de concessão da parcela”.

O ministro explicou que, quando o ato é revogado administrativamente antes de ter sido anulado, o TST tem reconhecido o direito adquirido à parcela. Nesse caso, empregados com gratificação já implantada no momento da revogação não poderiam ter o direito adquirido suprimido pelo segundo ato (o de anulação). Mas, nesse caso, não houve revogação e posterior anulação, mas apenas a anulação do ato da implantação da gratificação, em razão do não cumprimento do requisito formal de regulamentação prévia.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. GRATIFICAÇÃO DE TITULARIZAÇÃO. SUPRESSÃO POR MEIO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. EFEITOS EX TUNC . ILEGALIDADE DO ATO DE CONCESSÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A questão relativa aos efeitos da anulação de normativo interno da Companhia das Docas do Estado do Ceará, ainda não se encontra pacificada no âmbito das Turmas do TST, razão pela qual a matéria possui transcendência jurídica. Na questão de fundo, cinge-se a controvérsia em determinar os efeitos jurídicos da supressão da “GRATIFICAÇÃO POR TITULAÇÃO”, prevista no PCCS/2011 da Companhia Docas do Ceará e instituída em outubro de 2013 (Resolução n° 221/2013), por ato unilateral da Administração Pública, em decorrência de nulidades na sua implantação . O TRT concluiu que a supressão da Gratificação de Titularidade, decorrente da nulidade por vício formal em sua constituição, ocorreu em conformidade com o previsto na Súmula 473 do STF. Para tanto, o Regional consignou que “a implementação da Gratificação de Titulação, de fato, demandava uma prévia regulamentação, a qual deveria ser submetida à aprovação da Diretoria Executiva da empresa demandada, do seu Conselho de Administração, do Ministério Supervisor e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no prazo de seis meses após a implantação do PCCS” , assim como que a reclamada “não providenciou a regulamentação necessária a ser submetida à aprovação da sua Diretoria Executiva, do Conselho de Administração, do Ministério Supervisor e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão”. Com efeito, o vício formal que impregnou o ato administrativo não era passível de convalidação, pois se tratava de inobservância de formalidade essencial à sua validade e, diante de tal ilegalidade, cumpria à Administração, em razão do dever de autotutela (art. 53 da Lei nº9.784/99), anular o ato, com efeitos ex tunc . Por tais razões, não há falar na preservação dos efeitos da norma patronal para os empregados com contratos em vigor ao tempo de sua edição (art. 468 da CLT c/c a Súmula 51 do TST), tampouco, de preservação do direito de percepção da parcela. Não se desconhece a jurisprudência da SDI-1 desta Corte que, em casos nos quais se constata um ato de revogação administrativa anterior ao ato de anulação, vem reconhecendo o direito adquirido à parcela aos empregados da INFRAERO que satisfizeram o implemento das condições do normativo em momento anterior à revogação (E-RR-1561-30.2015.5.10.0002, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT de 19/12/2018), conferindo efeitos diferidos ao ato de anulação, por tais circunstâncias específicas, que não se encontram presentes no caso em exame. Em sede de embargos declaratórios, a SDI-1 esclareceu, ainda, que, naquele precedente, o aspecto temporal (cumprimento dos requisitos antes da revogação do ato) era central na tese firmada pela Corte, tanto que rejeitou o pedido de extensão dos direitos reconhecidos aos empregados admitidos antes da revogação do ato, mas sem o implemento de suas condições até o primeiro marco administrativo, ou seja, o ato de revogação (ED-E-RR-1561-30.2015.5.10.0002, publicado no DEJT de 12/04/2019). Do quanto se depreende dos julgados, a tese ali firmada era no sentido de que os empregados com gratificação já implantada ao tempo do primeiro ato (de revogação) não poderiam ter os efeitos do direito adquirido anulados posteriormente pelo segundo ato (de anulação), conclusão com a qual este relator não concordou por ocasião dos debates relativos ao precedente, mas acabou ficando vencido naquela egrégia subseção. De todo modo, a extensão daquela tese não abarca o caso concreto sob exame, pois aqui não há revogação do ato e sua posterior anulação, mas tão somente anulação do ato de implantação da gratificação, já que não cumprido pela empresa o requisito formal de regulamentação prévia da Diretoria Executiva da empresa demandada, do seu Conselho de Administração, do Ministério Supervisor e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no prazo de seis meses após a implantação do PCCS. Tal previsão não observada estava contida no próprio normativo criado pela empresa, razão pela qual a ilegalidade é congênita aos atos de concessão. Assim, afigura-se irretocável a decisão do Regional, naquilo em que reconheceu os efeitos “ex tunc” da medida saneadora praticada pelo poder público, cuja ação se deu em autêntico exercício do poder de autotutela. Logo, em que pese a transcendência jurídica reconhecida, a decisão monocrática merece ser mantida, com o acréscimo de razões de decidir da presente fundamentação. Agravo não provido.

Processo: Ag-AIRR – 893-86.2019.5.07.0007

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