Funasa é condenada a pagar danos morais a agente de saúde contaminado por produtos tóxicos em decorrência de atividade profissional

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) condenou a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) ao pagamento de danos morais a um agente de saúde que comprovou a contaminação em seu organismo provocada por manuseio de produto tóxico, em face da atividade profissional exercida.

A desembargadora federal Daniele Maranhão, relatora do processo, esclareceu que foi permitido no país, nas décadas de 1980 e 1990, o uso de venenos organoclorados (DDT e derivados) para realização de trabalho de campo no combate à dengue, à malária, à febre amarela e a outras doenças endêmicas, sem, contudo, ter havido a diligência necessária ao adequado manuseio desses produtos, com o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

Segundo a magistrada, apesar de inexistir orientação específica em observância aos EPIs, considerando o caráter lesivo e, possivelmente, letal do DDT, o entendimento jurídico tem defendido indenizações por danos morais em casos de agentes de saúde que tiverem contaminação sanguínea em razão da exposição desprotegida da substância nociva, independente do desenvolvimento de patologias associadas ao produto.

A desembargadora explicou que o raciocínio se baseia na angústia vivida por tais agentes pela simples ciência de uma situação potencialmente causadora de graves comprometimentos da saúde.

Por ser incontestável a presença de DDT no organismo do agente, no caso em questão, sendo comprovada a contaminação em decorrência do manuseio de produto tóxico por conta de atividade laboral, a relatora concluiu que é devido o recebimento de indenização a título de dano moral no valor de R$ 3.000,00 por ano de exposição desprotegida aos produtos tóxicos.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL.  EXPOSIÇÃO DESPROTEGIDA DE AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA A DDT E OUTROS PRODUTOS QUÍMICOS. OMISSÃO NEGLIGENTE DA FUNASA E DA UNIÃO NO FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNASA E DA UNIÃO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.  TERMO INICIAL. TEORIA DA ACTIO NATA. STJ. TEMA 1.023.   MANUSEIO DO PRODUTO. EXAME LABORATORIAL JUNTADO AOS AUTOS. CONTAMINAÇÃO CONFIRMADA.  CONTRADITA REALIZADA. TEORIA DA CAUSA MADURA. ART. 1.013, §1º, I, DO CPC. POSSIBILIDADE.  INDENIZAÇÃO DEVIDA. APELAÇÃO PROVIDA.

1.A FUNASA e a União possuem legitimidade para responder às demandas que envolvam pedido de indenização por danos morais, na medida em que decorrem de fatos que tiveram origem quando o autor exercia suas atividades na extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM, na função pública de Agente de Endemias, tendo passado posteriormente a integrar o quadro de pessoal da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, em razão da Lei nº 8.029/91 e, posteriormente, redistribuído ao Ministério da Saúde (Portaria nº 1.659/2010).

2. Conforme tese firmada pelo STJ no REsp nº 1.809.204/DF, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.023), o termo inicial a ser considerado para contagem do prazo prescricional para as ações em que se busca indenização por danos morais pela exposição a DDT será o dia da ciência inequívoca dos malefícios que podem surgir com a exposição desprotegida e sem orientação a tal agente nocivo, sendo irrelevante a data de vigência da Lei nº 11.936/09. (REsp 1.809.204/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/02/2021, DJe 24/02/2021). Prejudicial de mérito afastada, considerada a data de realização/resultado do exame.

3. A verificação de dano moral decorrente de exposição desprotegida de agentes públicos de saúde a inseticidas (DDT) e outras substâncias tóxicas, no exercício de suas atribuições funcionais, depende de instrução probatória. Nesse sentido, é assente que “se já se poderia cogitar de dano moral pelo simples conhecimento de que esteve exposto a produto nocivo, o sofrimento psíquico surge induvidosamente a partir do momento em que se tem laudo laboratorial apontando a efetiva contaminação do próprio corpo pela substância.” (REsp 1.684.797/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2017).

4. A angústia vivida por tais agentes de saúde diante da ciência de uma situação potencialmente causadora de graves comprometimentos da saúde justifica a condenação do Estado ao pagamento de indenização por danos morais.

5. Na hipótese, consoante  informações constantes da petição inicial, o autor  foi contratado pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM, na função de Agente de Saúde ou Agente de Endemias. Em 12 de março de 1991, em virtude da extinção da SUCAM, o vínculo do autor foi sucedido pela Fundação Nacional de Saúde – Funasa, dedicando-se ao combate de pragas transmissoras de doenças, entre as quais o mosquito e o barbeiro, vetores da dengue, malária e doença de chagas. Em junho do ano de 2010, o autor foi cedido ao Ministério da Saúde, órgão em que continuou exercendo a função de Agente de Saúde Pública/ Guarda de Endemias.

6. Após a remessa dos autos a este Tribunal, o autor juntou aos autos resultado de análise toxicológica, concluída em 21/02/2022, realizada pelo Centro de Assistência Toxicológica – CEATOX do Instituto de Biociências da UNESP – Universidade Estadual Paulista, comprovando a presença de <1,0 ppb (partes por bilhão) de DDT no seu organismo (Id. 196395039), documento que esta Turma considera como imprescindível para o deslinde da causa.

7. Embora a parte requerida não tenha sido citada na origem, tendo em vista que o juízo recorrido julgou extinto o processo, sob o fundamento de que a parte autora não teria apresentado documento imprescindível para o ajuizamento da ação (comprovante de sua contaminação de substâncias tóxicas), um vez contrarrazoado o recurso e contraditado o exame de análise toxicológica juntado nesta instância, o processo está em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 1.013, §1º, I, do CPC.

8. No que diz respeito ao quantum indenizatório, este Tribunal tem estabelecido como parâmetro, em casos semelhantes, o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por ano de exposição desprotegida a DDT e outros pesticidas correlatos no combate a endemias.

9.  Quanto aos juros de mora, sua incidência deve ocorrer a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ), sendo o termo inicial o do resultado do laudo toxicológico.  Correção monetária a partir do arbitramento (Súmula nº 362 do STJ). Consectários legais da condenação incidentes, conforme decidido pelo STF no RE 870.947, em repercussão geral (Tema 810) e pelo  STJ  no Resp. 1.495.144/RS, na sistemática de recursos repetitivos (Tema 905).

10. Apelação a que se dá provimento para que seja o autor indenizado por danos morais, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por ano de exposição desprotegida a DDT e pesticidas correlatos, desde o evento danoso, cujo total deve ser apurado por ocasião da liquidação do julgado, bem como para conceder a gratuidade de justiça requerida e manter o valor originalmente atribuído à causa pela parte autora.

11. Invertidos os ônus de sucumbência, fixam-se os honorários advocatícios em desfavor das rés, sobre o valor da condenação,  pro rata, nos percentuais mínimos de cada faixa dos incisos do §3º do art. 85 do CPC, a serem apurados na liquidação do julgado, nos termos do art. 85, §4º, II, do CPC.

Processo: 1004431-84.2017.4.01.3400

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