Em 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo (requisito temporal) e relacionados às funções desempenhadas (requisito funcional), ainda que o autor seja titular de mandatos sucessivos.
Acompanhando a tendência jurisprudencial de restrição ao foro especial, a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) negou provimento ao agravo interno, mantendo a decisão monocrática expedida de remessa do processo ao juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Itabuna/BA.
No caso relatado pela desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, o agravante exerceu o cargo de prefeito entre os anos de 2009 e 2011, época dos fatos ocorridos. Eleito para novo mandato de 2017 a 2020, argumentou que, por esse motivo, a ação penal deveria tramitar neste tribunal, e não ser remetida para a primeira instância.
A magistrada, destacando as teses do STF e tribunais superiores e o entendimento firmado pela Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), ressaltou que o foro por prerrogativa de função alcança somente os crimes cometidos durante o exercício do cargo, e nas hipóteses relacionadas às funções desempenhadas, ou seja, “para sua manutenção perante este TRF1 necessário se faz que os fatos criminosos em apuração tenham sido praticados durante o cargo que exerce o detentor da prerrogativa, e que se relacionem às funções desempenhadas no mandato vigente”.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESUAL PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DECLINATÁRIA DE COMPETÊNCIA. AGRAVO INTERNO. CABIMENTO. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES IMPUTADOS A PREFEITOS. DESVIO DE VERBA DA UNIÃO. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. FATOS CRIMINOSOS OCORRIDOS EM MANDADO ANTERIOR NÃO CONSESCUTIVO. INCOMPETÊNCIA DO TRF-1ª REGIÃO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA PARA A 1ª INSTÂNCIA.
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É sabido que a vocação do agravo interno é exatamente levar ao colegiado as decisões monocráticas proferidas pelos relatores, e que possam causar gravame às partes. Tal recurso privilegia o julgamento colegiado, ínsito aos tribunais, em detrimento dos julgamentos monocráticos. Por isso mesmo o CPC, na reforma de 2015, passou a prevê-lo — pois já era praxe nos tribunais a sua utilização, por previsão regimental — e o fez de forma ampla, ao estabelecer apenas que contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado.
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Não poderia o Regimento Interno contrariar a lei de regência do recurso, tanto mais quando o CPC relegou aos tribunais apenas a regulamentação das normas de processamento. Assim, cabível agravo interno contra decisão proferida pelo relator da Ação Penal, que declina da competência para a 1ª instância.
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O foro por prerrogativa de função é garantia constitucional segundo a qual determinados agentes públicos, em razão dos cargos ou funções desempenhadas, são processados e julgados criminalmente por órgãos colegiados de determinados tribunais. No caso de prefeito municipal, o artigo 29, X, da Constituição Federal, estabelece que o julgamento se dê perante o Tribunal de Justiça, e a Súmula 702/STF, por sua vez, assegura a competência do Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o lugar de cometimento da infração para julgar prefeitos, quando o fato apurado envolver desvio de recursos federais.
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Por muito tempo, entendeu-se que o foro por prerrogativa de função deveria ser aplicado indistintamente aos crimes praticados antes ou depois da investidura no cargo, mesmo que tais ilícitos não guardassem nenhuma relação com o seu exercício. Em maio de 2018, todavia, o STF, ao julgar a Questão de Ordem na Ação Penal 937, alterou o entendimento a respeito do foro por prerrogativa de função. Na ocasião, assentou que (1) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas (AP-QO 937, relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJ de 11/12/2018).
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A nova linha interpretativa repercutiu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, nos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, os quais passaram a adotar o mesmo posicionamento aos processos nos quais figuravam ou passaram a figurar como investigados ou acusados agentes públicos com foro por prerrogativa de função.
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O STJ, por sua Quinta Turma, entendeu pela extinção do foro por prerrogativa mesmo quando se cuide de mandatos sucessivos, ou seja, ainda que as condutas tenham sido praticadas durante mandato anterior já findo, não obstante o denunciado ocupe, atualmente, por força de nova eleição, o referido cargo. Assim, mesmo na hipótese de mandatos sucessivos, a jurisprudência dos tribunais superiores vem se posicionando no sentido de que deva cessar o foro por prerrogativa de função (AgRg no HC 517.753/ES, DJe de 19/2/2020). Referido acórdão do STJ foi mantido pelo STF, ao negar seguimento ao recurso extraordinário a ele interposto (ARE 1249949 DF, DJe de 24/4/2020).
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Esta Segunda Seção também firmou entendimento no sentido de que o foro por prerrogativa de função atualmente encontra óbices de natureza temporal e funcional, ou seja, para sua manutenção perante este TRF necessário se faz que os fatos criminosos em apuração tenham sido praticados durante o cargo que exerce o detentor da prerrogativa, e que se relacionem às funções desempenhadas no mandato vigente (AGRAP 0049583-66.2012.4.01.0000, e-DJF1 de 5/2/2020; e AGIP 0031239-61.2017.4.01.0000, e-DJF1 de 19/8/2019).
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A pretensão do agravante, de manter a Ação Penal em trâmite neste Tribunal, em relação a fatos ocorridos entre 2009 e 2011, quando era prefeito municipal – com término do mandato em 2012 – somente porque foi novamente eleito, em 2016, para o quadriênio 2017/2020, vai de encontro à jurisprudência dos tribunais superiores e deste Tribunal Regional Federal da 1ª Região, porque os fatos tidos por criminosos não ocorreram durante o exercício do cargo que atualmente ocupa, e que lhe assegura prerrogativa de foro nesta Corte.
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Agravo interno conhecido, mas não provido.
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Determinação de remessa imediata dos autos ao Juízo da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Itabuna/BA, para que dê continuidade à instrução processual, tendo em vista o longo decurso de tempo entre os fatos e os dias atuais, e os efeitos danosos desse decurso de tempo para a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
A decisão do Colegiado foi unânime, nos termos do voto da relatora.
Processo 0007161-03.2017.4.01.0000