Farmacêutica terá de reintegrar vendedor propagandista eleito diretor de cooperativa

Para a 8ª Turma, a estabilidade provisória protege o empregado que representa a sua categoria econômica e que, em razão dessa representatividade, pode vir a ter algum confronto com os interesses e as atividades do empregador. 

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o direito à estabilidade provisória de um propagandista vendedor da Biolab Sanus Farmacêutica que era, também, diretor de cooperativa da categoria e determinou sua reintegração no emprego, na mesma função e sem prejuízo do pagamento dos salários. Para o colegiado, em razão da estreita ligação entre as atividades da empresa e da cooperativa, há a possibilidade de eventual dispensa arbitrária, que justifica a concessão do benefício.

Dispensa

O propagandista trabalhava para o laboratório havia 12 anos quando, em 2018, foi eleito diretor administrativo da Cooperativa de Organização dos Propagandistas, Propagandistas Vendedores, Vendedores de Consultores de Produtos Farmacêuticos do Estado do Ceará (Cooprovend), para mandato de quatro anos. Ao comunicar o fato a seu chefe imediato, foi indagado se não gostaria de desistir do cargo, porque a empresa não veria o fato com bons olhos. Dois dias depois, foi dispensado sem justa causa e ajuizou a reclamação trabalhista, alegando que tinha direito à estabilidade provisória prevista na Lei 5.764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, do registro da candidatura até um ano após o fim do mandato.

Profissionais autônomos

Ao julgar o caso, o juízo da 6ª Vara do Trabalho de Fortaleza confirmou liminar em que havia determinado a reintegração do diretor. O Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, entretanto, afastou o direito à estabilidade e declarou a licitude da dispensa. Segundo o TRT, Cooprovend não se enquadra como cooperativa de trabalho, e o fato de ser constituída não apenas por empregados, mas, também, por profissionais autônomos evidenciaria a finalidade de obtenção de lucro.

Cooperativa de trabalho

O relator do recurso de revista do propagandista, ministro Agra Belmonte, observou que as cooperativas de trabalho são tratadas na Lei 12.690/2012, que as define como “sociedades constituídas por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”. E, diferentemente das cooperativas de empregados, elas podem ser constituídas, também, por profissionais autônomos. A lei também veda expressamente a utilização da cooperativa para a intermediação de mão de obra subordinada e a autoriza a adotar, por objeto social, qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto no seu estatuto.

Confronto de interesses

Outro aspecto destacado pelo relator é a possibilidade de aplicação, às cooperativas de trabalho, do dispositivo da Lei 5.764/1991 que confere estabilidade provisória ao diretor de cooperativa de emprego, de forma equiparada aos dirigentes sindicais.

De acordo com o relator, a garantia visa proteger o empregado que representa a sua categoria econômica e que, em razão dessa representatividade, pode vir a ter algum confronto com os interesses e as atividades do empregador.

No caso, o ministro considerou incontroverso que o propagandista vendedor era empregado da Biolab, cuja atividade principal é a fabricação de medicamentos, e fora eleito diretor Cooprovend, que tem por objeto social a organização da carreira de propagandista vendedor, com fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros. “Considerando a estreita ligação entre as atividades de fabricação de medicamentos e as de venda e consultoria de produtos farmacêuticos, é nítida a possibilidade de haver contraposição à atividade do empregador e, por conseguinte, eventual dispensa arbitrária, para justificar a concessão do benefício”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

I – AGRAVO. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DIRETOR DE COOPERATIVA DE TRABALHO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA.

1. Reconhece-se a transcendência jurídica da causa por versar sobre o alcance da estabilidade conferida aos diretores de cooperativa de empregados (art. 55 da Lei nº 5.764/71), a fim de se aferir se o benefício alcançaria o diretor de cooperativa de trabalho (Lei nº 12.690/2012), matéria em relação à qual há decisões conflitantes no âmbito desta Corte Superior.

2. E, com o fim de prevenir eventual ofensa ao art. 55 da nº Lei 5.764/71, determina-se o processamento do agravo de instrumento. Agravo conhecido e provido .

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DIRETOR DE COOPERATIVA DE TRABALHO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Diante de possível ofensa ao art. 55 da Lei 5.764/71, impõe-se o processamento do recurso de revista, para melhor exame. Agravo de instrumento conhecido e provido.

III – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DIRETOR DE COOPERATIVA DE TRABALHO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA.

1. A causa versa sobre o alcance da estabilidade conferida aos diretores de cooperativa de empregados (art. 55 da Lei nº 5.764/71). Discute-se se o benefício alcançaria o diretor de cooperativa de trabalho (Lei nº 12.690/2012).

2. O reclamante, empregado de empresa que fabrica medicamento , fora eleito diretor da COOPREVEND – Cooperativa de Organização dos Propagandistas, Propagandistas Vendedores, Vendedores de Consultores de Produtos Farmacêuticos do Estado do Ceará. Trata-se de cooperativa de trabalho que, nos termos do artigo 2º da Lei nº 12.690/12 – que dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho – é definida como ” a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho “. E que, diferentemente das cooperativas de empregados , permite que seja constituída não apenas por empregados, mas também por profissionais autônomos, podendo, ainda, ser classificada como de “produção” ou “serviços ” (art. 4º, I e II).

3. Nos termos da referida lei, é vedada expressamente a utilização da cooperativa para a intermediação de mão de obra subordinada (art. 5º), sendo que “a cooperativa de trabalho poderá adotar por objeto social qualquer gênero de serviço , operação ou atividade, desde que previsto no seu Estatuto Social ” (art. 10).

4. Fixadas essas características, impõe-se destacar a expressa disposição na referida lei de que a cooperativa de trabalho também será regulada, naquilo que não a conflite, pela lei nº 5.764/91 e pelo Código Civil de 2002, circunstância que evidencia a possibilidade de ser aplicado, no contexto da administração das referidas cooperativas, tanto o art. 55 da Lei 5.764/91 – que rege as cooperativas de emprego , e confere estabilidade provisória ao diretor de cooperativa, quando empregado de empresa , de forma equiparada aos dirigentes sindicais – quanto a Orientação Jurisprudencial 253 da SBDI-1 desta Corte.

5. Trata-se de garantia que tem por finalidade proteger o empregado que representa a sua categoria econômica e que, em face das prerrogativas que são inerentes a essa representatividade, pode acarretar algum confronto com os interesses e atividades do empregador. Significa dizer que, se não há conflito entre o objeto da cooperativa com os interesses e/ou atividade principal dos empregadores, não subsiste razão para o deferimento da estabilidade provisória, sob pena de não se atender à mens legis que rege o instituto.

6. No caso , o col. Tribunal Regional, ao afastar o direito do reclamante à estabilidade provisória, o fez com base nas seguintes premissas: a) que, embora o estatuto da COOPROVEND previsse que seu objeto social é ” a organização da carreira de propagandista vendedor, vendedor e consultor de produtos farmacêuticos” e que “suas atividades não têm a finalidade de lucro “, o fato de ter constado no CNPJ, como atividade econômica principal, o ” fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros” evidenciaria a finalidade de obtenção de lucro e descaracterizaria a cooperativa de trabalho; b) que o fato de a sociedade cooperativa não ser constituída apenas por empregados , mas também por profissionais autônomos , com estabelecimento de deveres e de responsabilidade aos cooperados , também evidenciaria a finalidade de obtenção de lucro.

7. Data venia ao entendimento do Tribunal Regional, nenhuma dessas premissas desnatura a sociedade cooperativa em exame. Em relação ao fato de a COOPROVEND ter sido constituída também por profissionais autônomos, a própria Lei 12.690/2012, ao definir as cooperativas de trabalho como as sociedades constituídas “por trabalhadores” (art. 2º), em sentido lato sensu , já evidencia a possibilidade de ser constituída tanto por empregados como profissionais autônomos. Quanto ao CNPJ da cooperativa trazer como atividade principal “o fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros”, isso resulta do fato de que a COOPROVEND se qualifica como cooperativa de serviços (arts. 4º, II e 7º, § 2º), de forma que, não havendo nenhuma delimitação fática quanto a eventual atuação como intermediadora de mão de obra (fraude), referida premissa não constituiria óbice à pretensão do reclamante. E nem se diga que o estabelecimento de deveres e responsabilidade aos cooperados poderia respaldar a conclusão do TRT, eis que regularmente previstos na lei, no Capítulo II – Do funcionamento das Cooperativas de Trabalho (art. 11).

8. Dessa forma, subsistiria como óbice ao reconhecimento do direito à estabilidade provisória apenas o fato de o reclamante ser diretor de uma cooperativa de trabalho, cujo objeto não refletisse nem concorresse com as atividades do empregador e, por conseguinte, não pudesse ensejar uma possível dispensa arbitrária.

9. Porém, no caso, resulta como fato incontroverso que o reclamante, propagandista vendedor, era empregado de empresa (Biolab Sanus Farmacêutica Ltda), que tem como atividade principal a fabricação de medicamentos, e que fora eleito diretor da COOPROVEND, cujo objeto social é ” a organização da carreira de propagandista vendedor, vendedor e consultor de produtos farmacêuticos” , com ” fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros “.

10. Considerando a estreita ligação entre as atividades de fabricação de medicamentos e as de venda e consultoria de produtos farmacêuticos , é nítida a possibilidade de haver contraposição à atividade do empregador e, por conseguinte, eventual dispensa arbitrária, para justificar a concessão do benefício ao reclamante.

11. Nesse contexto e não havendo nenhuma delimitação no v. acórdão regional que permita afastar a referida assertiva, conclui-se que o afastamento do direito à estabilidade provisória do reclamante resultou em ofensa ao art. 55 da Lei nº 5.764/71. Recurso de revista conhecido por violação do art. 55 da Lei 5.764/71 e provido.

CONCLUSÃO: Agravo, agravo de instrumento e recurso de revista conhecidos e providos.

Processo: RR-993-78.2018.5.07.0006

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar