O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) não atendeu ao pedido de uma mulher para que fosse aplicado o princípio da insignificância no processo em que a ré se utilizou de falsa identidade em várias situações.
A denunciada apelou da sentença da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Goiás que condenou a infratora à pena de três
meses e 22 dias de prisão pelo crime de atribuir-se falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outros. O delito está previsto no artigo 307 do Código Penal. O Ministério Público Federal também apelou requerendo o aumento da pena.
Informações do processo mostram que a ré, ao longo de três anos, apresentou-se falsamente usando três nomes diferentes para se livrar de acusações de crimes. Em depoimentos, a mulher expôs várias versões para explicar a utilização dos nomes. Dentre as narrativas, a de que teve os documentos roubados, mas nunca registrou ocorrência; a mãe extraviou a certidão de nascimento da ré e que essa situação pode ter ocasionado registros em dois cartórios onde foram encontrados erros de grafia no nome da mencionada ré. A ré confessou que mentiu em alguns depoimentos por medo. Ao todo, ela é acusada de usar nomes falsos em quatro situações por motivos diferentes. Em sua defesa, ela alegou que nas três primeiras situações não teve direito ao contraditório e na última não ficou provado que agiu com a intenção de obter vantagem ilícita ou de que essa conduta detém potencialidade lesiva, pois, nos próprios cadastros públicos, existem erros acerca de sua correta identificação. Por isso, pediu a aplicação do princípio da insignificância.
Já o Ministério Público pretende o aumento da pena da ré, pois, entre outros fatos, atribuiu o crime de falsa identidade com objetivo de
assegurar a impunidade de outro crime praticado pela denunciada, o de estelionato previdenciário, cometido em Brasília/DF.
O caso foi analisado pela 3ª Turma do TRF1 sob a relatoria do desembargador federal Ney Bello. O magistrado entendeu ser improcedente a aplicação do princípio da insignificância, haja vista que o delito do art. 307 do Código Penal ofende a fé pública, bem intangível.”O delito praticado pela ré tem potencialidade lesiva ao bem jurídico protegido (a fé pública), tanto que a falsidade somente foi descoberta após consulta aos cartórios de ofícios em que está registrado o nascimento da ré”, afirmou o desembargador.
Bello também citou jurisprudências do STJ e do TRF1, as quais entendem que, para a configuração do delito em análise, é necessário apenas que a imitação do documento tenha a capacidade de enganar. Não se exige que a falsidade seja perfeita, mas que haja uma razoável imitação de documento verdadeiro, idôneo para enganar a maioria das pessoas.
Com essas considerações, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação da ré e deu parcial provimento ao recurso do MPF para aumentar a pena da denunciada para seis meses e 18 dias de prisão.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. POTENCIALIDADE LESIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA AFASTADA. LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A 30 DIAS. INCIDÊNCIA DO CONCURSO MATERIAL. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
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O delito do art. 307 do CP é crime formal, que se consuma com o simples fato da atribuição de falsa identidade, independentemente de ulteriores consequências, sendo irrelevante para sua configuração que a ré tenha obtido vantagem ou que tenha causado dano a outrem.
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O delito de atribuição de falsa identidade tem potencialidade lesiva ao bem jurídico protegido (a fé pública), tanto que a falsidade somente foi descoberta após consulta aos cartórios de ofícios em que está registrado o nascimento da ré.
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Não procede a pretensão de aplicação do princípio da insignificância, haja vista que o delito do art. 307 do CP tutela a fé pública, bem intangível, prescindindo da ocorrência de prejuízo para se consumar.
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Materialidade e autoria dos delitos do art. 307 do CP demonstradas nos autos.
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Dosimetria. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, para se reconhecer a continuidade delitiva, tolera-se um lapso temporal entre um delito e outro de até 30 dias. Aplica-se a regra do concurso material para o delito praticado no dia 11/09/2015, pois ocorreu após quase 03 anos do último delito, ou seja, num intervalo muito superior a 30 (trinta) dias.
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Apelação do MPF provida em parte.
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Apelação do réu desprovida.
Processo nº: 0018291-97.2016.4.01.3500