Exigência de apresentação de CNH com indicação de limitação física compatível para a isenção do IPI extrapola a imposição estabelecida por lei

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve sentença que reconheceu a legitimidade passiva da apelante, autoridade coatora no mandado de segurança, e, no mérito, condenou a Fazenda Nacional a conceder isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de automóvel para uso próprio da impetrante, portadora de visão monocular.

Argumentou o apelante, além da ilegitimidade passiva para o processo, que o art. 4º, § 5º, da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (RFB) 1.769/2017 dispõe expressamente que “a existência de CNH válida sem restrição afasta inequivocamente a possibilidade de obtenção do benefício fiscal postulado”.

Analisando o caso, o relator, desembargador federal José Amílcar Machado, explicou que as decisões administrativas que negaram a isenção do IPI foram proferidas pelas autoridades indicadas no processo, afastando a alegada ilegitimidade.

No mérito, o magistrado ressaltou que o art. 1º da Lei 8.989/1995, que dispõe sobre a isenção do IPI para pessoas portadoras de deficiência, inclusive deficiência visual, e demais legislações em vigor, não ampara a exigência da CNH com a restrição apontada pelo apelante para a concessão da isenção do tributo, e que por isso a exigência da Instrução Normativa da RFB extrapola a imposição estabelecida pela Lei 8.989/1985, sendo esta a orientação jurisprudencial do TRF1 e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Concluindo, o relator destacou que estão comprovados os pressupostos autorizadores da isenção requerida, por laudos médicos atestando a visão monocular.

Trago aqui precedentes do STJ sobre o assunto:

REsp 1370760

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. IPI. ISENÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEIS. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. ART. 1º, § 1º, DA LEI N. 8.989⁄95. ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. DEFICIÊNCIA COMPROVADA. ISENÇÃO MANTIDA.

  1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.
  2. O art. 1º, da Lei n. 8.989⁄95 determina a concessão de isenção de IPI na aquisição de automóveis por portadores de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal.
  3. A concessão do benefício para deficientes físicos restringe-se às situações enumeradas no § 1º, do art. 1º, da Lei n. 8.989⁄95.
  4. Hipótese em que a moléstia adquirida pela recorrida enquadra-se entre as elencadas no referido artigo. Concessão de IPI mantida.

Recurso especial improvido.

AREsp 1591926

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISENÇÃO DE IPI PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE CNH COM ANOTAÇÃO RESTRITIVA. DESCABIMENTO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CÓDIGO FUX. RESOLUÇÕES RFB E CONTRAN SEM NÍVEL DE LEI FEDERAL. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283⁄STF E 284⁄STF, POR ANALOGIA. REANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO CONHECIDO PARA SE DAR PARCIAL CONHECIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL E, NESTA EXTENSÃO LHE NEGAR PROVIMENTO.

  1. Não houve infringência ao art. 1.022 do Código Fux, na medida em que o Tribunal de origem apreciou, fundamentadamente, a controvérsia, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade. Observe-se que, malgrado não ter o Colegiado acolhido os argumentos suscitados pelo recorrente, manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Afora isso, julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa às normas ora invocadas.
  2. A exigência de anotação restritiva na CNH como requisito para isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI para Pessoa com Deficiência não possui amparo na Lei 8.989⁄1995, porquanto seus artigos 1o., IV e 3o., citados como supostamente violados não exigem, em momento algum, tal anotação.
  3. Dessa feita, a Lei 8.989⁄1995 prevê o benefício fiscal para as Pessoas com Deficiência que atenderem aos requisitos impostos em seu texto, que não relaciona a apresentação de CNH com anotação restritiva como critério de concessão. Neste sentido, os seguintes precedentes monocráticos: REsp. 1.836.207⁄RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 18.11.2019; AREsp. 1.584.479⁄RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 11.11.2019; REsp. 1.835.473⁄RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 7.11.2019.
  1. A referida exigência em relação à CNH, segundo a FAZENDA NACIONAL, encontra amparo na Instrução Normativa RFB 1.769⁄2017 e nas Resoluções CONTRAN 425⁄2012 e 718⁄2017, justificando tais determinações com base no art. 141 do CTB, segundo o qual, o processo de habilitação, as normas relativas à aprendizagem para conduzir veículos automotores e elétricos e à autorização para conduzir ciclomotores serão regulamentados pelo CONTRAN.

  2. Ocorre que tais dispositivos não se revestem de nível de Lei Federal, não sendo, portanto, passíveis de análise em sede de Apelo Nobre e não se figurando aptos à infirmar o acórdão ora guerreado. Ademais, o art. 141 do CTB apenas autoriza o CONTRAN a regulamentar o processo de habilitação e autorização para condução de veículos automotores e ciclomotores, não referindo-se à requisitos exigíveis para a concessão de eventual benefício tributário. A insuficiência e inadequação da argumentação atrai, então, óbice das Súmulas 283⁄STF e 284⁄STF, por analogia. No mesmo sentido, os seguintes precedentes monocráticos: AREsp. 1.590.010⁄RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.11.2019; REsp. 1.815.980⁄RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 18.10.2019; REsp. 1.831.514⁄RS, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA; DJe 30.8.2019.

  3. Ademais, o Tribunal de origem, soberano na análise do contexto fático probatório, considerou o laudo emitido por médicos vinculados ao serviço público hábil para subsidiar o reconhecimento da deficiência física para fins de reconhecimento da isenção pleiteada pelo impetrante, independentemente da exigência da apresentação de CNH com restrição compatível com a deficiência (fls. 186⁄188). Desconstituir tal conclusão demandaria adentrar a seara fático probatória do presente feito, o que se mostra inviável em razão de óbice imposto pela Súmula 7⁄STJ.

  4. Agravo conhecido para dar-se parcial conhecimento ao Recurso Especial da FAZENDA NACIONAL e, nesta extensão, negar-lhe provimento.

O recurso ficou assim ementado:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PLEITO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA. IPI. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PORTADORA DE CEGUEIRA MONOCULAR. LEI Nº 7.853/89 – CONDIÇÃO DE DEFICIENTE RECONHECIDA, MEDIANTE ACERVO DOCUMENTAL ACOSTADO AOS AUTOS. SENTENÇA MANTIDA.

1. A Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre a Isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros, bem como por pessoas portadoras de deficiência física, determina que: “Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) […] § 1o Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada também pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)”.

2. Assim, tendo-se em conta a documentação acostada aos autos (laudos médicos), atestando ser a impetrante portadora de “Visão Monocular de caráter irreversível consequência de ambliopia funcional por estrabismo divergente em OD. A cirurgia da catarata não foi suficiente para melhorar a acuidade visual, embora com melhoria de campo visual.”. (ID 69003399), não há equívoco no reconhecimento do seu direito firmado em sentença.

3. Nesse sentido: “O art. 1º, da Lei n. 8.989/95 determina a concessão de isenção de IPI na aquisição de automóveis por portadores de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal. 3. A concessão do benefício para deficientes físicos restringe-se às situações enumeradas no § 1º, do art. 1º, da Lei n. 8.989/95. 4. Hipótese em que a moléstia adquirida pela recorrida enquadra-se entre as elencadas no referido artigo. Concessão de IPI mantida. Recurso especial improvido.”. (REsp 1370760/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013)

4. No tocante a exigência de apresentação de Carteira Nacional de Habilitação – CNH com indicação de limitação compatível com a exigência legal para a isenção do IPI, em conformidade com as resoluções do CONTRAN, ressalto que tal exigência extrapola a imposição estabelecida pela Lei nº 8.989/1985.

5. Precedente: “[…] 2. A exigência de anotação restritiva na CNH como requisito para isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI para Pessoa com Deficiência não possui amparo na Lei 8.989/1995, porquanto seus artigos 1o., IV e 3o., citados como supostamente violados não exigem, em momento algum, tal anotação. 3. Dessa feita, a Lei 8.989/1995 prevê o benefício fiscal para as Pessoas com Deficiência que atenderem aos requisitos impostos em seu texto, que não relaciona a apresentação de CNH com anotação restritiva como critério de concessão. Neste sentido, os seguintes precedentes monocráticos: REsp. 1.836.207/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 18.11.2019; AREsp. 1.584.479/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 11.11.2019; REsp. 1.835.473/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 7.11.2019. […]”.(AREsp 1591926/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 05/03/2020)

Por unanimidade, o Colegiado negou provimento à apelação e remessa oficial, nos termos do voto do relator.

Processo 1007432-09.2019.4.01.3400

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