A operadora de plano de saúde, e não a empresa que contratou a assistência médica para os seus empregados, é quem possui legitimidade para figurar no polo passivo dos processos que discutem a aplicação da regra do artigo 31 da Lei dos Planos de Saúde.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento ao recurso de uma montadora de veículos que sustentava ter legitimidade passiva no processo movido por um inativo para manter o seu plano de saúde nas mesmas condições de quando era empregado.
Na origem, ao se desligar da montadora depois de 28 anos de serviço, o trabalhador alegou que sofreu um aumento de 909% na cobrança da mensalidade do plano oferecido pela empresa. Ele processou a montadora e a operadora do plano, requerendo a manutenção das mesmas condições de quando atuava na empresa.
A sentença julgou o pedido improcedente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) extinguiu o processo em relação à montadora, manteve a operadora no polo passivo e deu parcial provimento ao recurso do inativo para reduzir a mensalidade, limitando-a à soma do valor que era descontado em folha com a parte da empregadora.
No recurso especial, a montadora alegou que possui legitimidade passiva para compor a demanda e sustentou que o plano deve ser custeado integralmente pelo beneficiário, como prevê a legislação.
Relação inexistente
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, lembrou que nesse tipo de contrato caracteriza-se uma estipulação em favor de terceiro, e a empresa contratante figura como intermediária na relação estabelecida entre o trabalhador e a operadora.
Ela explicou que não há lide entre os estipulantes do plano – no caso, a montadora – e os usuários finais quanto à manutenção do plano de saúde coletivo empresarial.
“Sequer é possível visualizar conflito de interesses entre os beneficiários do plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica da qual fazem parte, pois o sujeito responsável pelo litígio na relação de direito material é, ao menos em tese, a operadora que não manteve as mesmas condições do plano de saúde após a aposentadoria do beneficiário”, fundamentou a ministra ao manter a decisão do TJSP.
“A eficácia da sentença em eventual procedência do pedido formulado na petição inicial – obrigação de fazer consistente na manutenção do plano de saúde com as mesmas condições – deve ser suportada exclusivamente pela operadora do plano de saúde”, afirmou a ministra.
“Em contrapartida”, acrescentou, “caberá ao autor da demanda assumir o pagamento integral do plano, isto é, arcar com o valor da sua contribuição mais a parte antes subsidiada por sua ex-empregadora, pelos preços praticados aos funcionários em atividade, acrescido dos reajustes legais.”
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. SAÚDE SUPLEMENTAR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REJEITADA. APLICAÇÃO DO ART. 31 DA LEI DOS PLANOS DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL. ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO. CONFLITO ENTRE APOSENTADO E OPERADORA. MANUTENÇÃO DAS MESMAS CONDIÇÕES DE COBERTURA ASSISTENCIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA PESSOA JURÍDICA CONTRATANTE DO PLANO COLETIVO EMPRESARIAL. PAGAMENTO INTEGRAL A SER SUPORTADO PELO EX-EMPREGADO.1. Ação ajuizada em 7⁄6⁄16. Recurso especial interposto em 25⁄9⁄17 e concluso ao gabinete em 13⁄8⁄18.2. O propósito recursal consiste em definir sobre a legitimidade passiva ad causam para os conflitos envolvendo a aplicação do art. 31, da Lei 9.656⁄98 (Lei dos Planos de Saúde – LPS).3. O Tribunal de origem estabeleceu todos os fundamentos necessários para solucionar a controvérsia, tornando-se inócua a discussão lateral dos argumentos suscitados pela recorrente em embargos de declaração, como bem fundamenta o acórdão integrativo.4. As condições da ação são averiguadas de acordo com a teoria da asserção, razão pela qual, para que se reconheça a legitimidade passiva ad causam, os argumentos aduzidos na inicial devem possibilitar a inferência, em um exame puramente abstrato, de que o réu pode ser o sujeito responsável pela violação do direito subjetivo do autor.5. Nos contratos de plano de saúde coletivo, a relação jurídica de direito material envolve uma operadora e uma pessoa jurídica contratante que atua em favor de uma classe (coletivo por adesão) ou em favor de seus respectivos empregados (coletivo empresarial).6. Caracteriza-se a estipulação em favor de terceiro, em que a pessoa jurídica figura como intermediária da relação estabelecida substancialmente entre o indivíduo integrante da classe⁄empresa e a operadora (art. 436, parágrafo único, do Código Civil).7. Sequer é possível visualizar conflito de interesses entre os beneficiários do plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica da qual fazem parte, pois o sujeito responsável pelo litígio na relação de direito material é, ao menos em tese, a operadora que não manteve as mesmas condições do plano de saúde, após a aposentadoria do beneficiário. Não há, portanto, lide entre a estipulante e os usuários finais quanto à manutenção do plano de saúde coletivo empresarial.8. A eficácia da sentença em eventual procedência do pedido formulado na petição inicial – obrigação de fazer consistente na manutenção do plano de saúde com as mesmas condições – deve ser suportada exclusivamente pela operadora do plano de saúde.9. Em contrapartida, caberá ao autor da demanda assumir o pagamento integral do plano, isto é, arcar com o valor da sua contribuição mais a parte antes subsidiada por sua ex-empregadora, pelos preços praticados aos funcionários em atividade, acrescido dos reajustes legais.10. Recurso especial conhecido e não provido.
Leia o acórdão.