Considerada inapta pelo médico da empresa, ela ficou na situação conhecida como “limbo jurídico-previdenciário”
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Green Tech Serviços Ltda., de Vitória (ES), a indenizar uma auxiliar de limpeza impedida de retornar ao serviço após alta previdenciária. Embora o INSS tivesse confirmado sua aptidão para o trabalho, o serviço médico da empresa declarou que ela estava totalmente inapta. Por maioria, a conduta da empresa de impedir o retorno da trabalhadora, conhecida como “limbo jurídico-previdenciário”, foi considerada ilícita.
Sem benefício e sem salário
A empregada trabalhava como auxiliar de serviços gerais, fazendo limpeza em ônibus da Vix Logística, e sofreu, em outubro de 2006, fraturas na coluna e nas costas ao escorregar da escada de um ônibus. Com o acidente, passou a receber o benefício previdenciário por um ano, até receber alta pelo INSS. Contudo, ao se submeter a exame médico na Green Tech, o médico constatou incapacidade total para o trabalho.
Sem conseguir retornar ao trabalho e sem receber salários nem auxílio previdenciário, a auxiliar ajuizou reclamação trabalhista pedindo a condenação da empresa por danos morais. Segundo ela, a empresa deveria pagar seus salários ou remanejá-la para função compatível com seu estado de saúde.
Condições de trabalho
Em sua defesa, a empresa disse que não teve culpa pelo acidente. Sustentou que oferecia ótimas condições de trabalho, com observância de normas de saúde e segurança, e que o acidente ocorrera por culpa exclusiva da auxiliar, que fora negligente.
Responsabilidade
Ao julgar o caso em agosto de 2013, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) condenou a Green Tech ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 10 mil. Para o TRT, a conduta do empregador de não permitir o retorno da empregada ao trabalho após a alta previdenciária “demonstrou intolerável indiferença com as consequências daí advindas, impingindo sofrimento íntimo”.
A decisão ressalta que, se o contrato de trabalho da auxiliar não mais estava suspenso, diante da decisão do INSS que atestou a sua aptidão, “era responsabilidade da empresa oferecer trabalho, com os respectivos salários, pelo menos no período estabilitário”.
Dever de cautela
A decisão acabou reformada pela Sexta Turma do TST, que entendeu que a empresa não poderia permitir o retorno de empregada que não tinha condições para isso, sob pena de violar normas de saúde e segurança Para a Turma, a atitude demonstrou dever de cautela.
Sofrimento presumido
Para o relator dos embargos da auxiliar à SDI-1, ministro Breno Medeiros, a conduta da empresa, ao impedir seu retorno ao trabalho e, consequentemente, inviabilizar o pagamento de salário, mesmo após a alta previdenciária, se mostrou ilícita. “O sofrimento resultante da atitude abusiva da empregadora, ao sonegar direitos básicos do trabalhador, independe de comprovação fática do abalo moral. Ele é presumido em razão do próprio fato”, afirmou.
Por maioria, o colegiado acolheu os embargos e restabeleceu a condenação. Ficaram vencidos os ministros Alexandre Ramos, Maria Cristina Peduzzi, Dora Maria da Costa e Caputo Bastos.
O recurso ficou assim ementado:
I – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. ANTERIOR À LEI N.º 13.015/2014, À IN 40/TST E À LEI N.º 13.467/2017. PRESCRIÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO.
Consta no acórdão recorrido que: a) a reclamante sofreu acidente de trabalho em 05/10/2006, permanecendo afastada em gozo de benefício previdenciário até 01/11/2007, quando o INSS atestou a aptidão para o serviço; b) a reclamante não retornou ao trabalho porque o serviço médico da empresa atestou sua incapacidade; c) não houve rescisão do contrato de trabalho, conforme admitido pela reclamada na contestação; d) as sequelas do acidente de trabalho perduraram no tempo, pois o laudo pericial feito nestes autos confirmou a incapacidade total para o exercício das funções exercidas e a incapacidade parcial para o trabalho.
Nesse contexto, tem-se o seguinte: a) discutindo-se fatos posteriores à EC nº 45/2004, a prescrição é trabalhista; b) não há prescrição bienal, pois o contrato de trabalho não foi rescindido; c) não há prescrição quinquenal, pois a ação foi ajuizada em 27/04/2012 e, segundo o TRT, o acidente de trabalho ainda provocava sequelas até a perícia feita nestes autos.
Ainda que se considerasse como marco inicial aquele identificado pelo TRT (data da alta pelo INSS em 01/11/2007), não haveria prescrição quinquenal.
Diferentemente do que alega a reclamada, não se conta a prescrição quinquenal da data do acidente, mas do resultado final das lesões, as quais, no caso dos autos, permaneceram até mesmo depois de ajuizada a ação.
Recurso de revista de que não se conhece.
PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
1 – Quanto ao alegado julgamento extra e ultra petita não se constata nulidade porque a matéria será analisada em tópico próprio sem incidência da Súmula nº 297 do TST.
2 – Em relação ao período de garantia provisória no emprego fixado pelo TRT, que a reclamada alega estar errado (a empresa diz que o auxílio-doença acidentário seria até 30/04/2007, havendo auxílio-doença de 11/03/2008 a 16/06/2008), constata-se que esse questionamento não constou nas razões de recurso ordinário, sendo, portanto, inovação feita nos embargos de declaração. Cumpre notar que não se trata de alegado erro material nascido do próprio acórdão recorrido, pois constou na sentença, assim como constou no acórdão do TRT, que o auxílio-acidente foi até novembro de 2007.
3 – No que tange à premissa fática sobre a configuração do acidente de trabalho, não há nulidade porque consta no acórdão recorrido que o conjunto fático probatório demonstra a ocorrência do acidente do trabalho da forma narrada pela reclamante: ao fazer limpeza no interior dos ônibus de propriedade da segunda reclamada, escorregou na escada, sofrendo sequelas. Por outro lado, constou no acórdão recorrido que, segundo o laudo pericial, a reclamante ficou totalmente incapacitada para o exercício de suas funções e parcialmente incapacitada para o trabalho.
4 – Recurso de revista de que não se conhece.
JULGAMENTO EXTRA PETITA . PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE SALÁRIOS.
1 – Nestes autos estão reunidas duas ações ajuizadas pela reclamante. Na RT n.º 51800-33.2012.5.17.0007, às fls. 654/662, os pedidos foram de pagamento de salários vencidos e vincendos desde a alta médica pelo INSS e de indenização por danos morais, dentre outros. Na RT n.º 89500-43.2012.5.17.0007, às fls. 3/13, os pedidos foram de pagamento de indenização por danos materiais na forma de pensão, indenização por danos morais, dentre outros.
2 – Em recurso ordinário, consta o pedido de que ” seja conhecido e dado provimento ao presente recurso revisional, condenando as recorridas aos pagamentos dos danos morais e materiais causados ao recorrente, conforme pedido inicial (inicial apensa) “.
3 – Assim, improcede a alegação de julgamento extra petita, no que se refere a salários.
4 – Recurso de revista de que não se conhece.
JULGAMENTO ULTRA PETITA . PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE PENSÃO.
1 – O deferimento de pagamento de pensão no importe de 50% do salário, nas instâncias ordinárias, está baseado na constatação do nexo entre a atividade exercida e o acidente, na modalidade concausa, e no laudo pericial que confirmou a incapacidade total para o exercício das funções exercidas e a incapacidade parcial para o trabalho. Logo, não procede o argumento de que a condenação teria sido além dos limites da lide.
2 – Em relação à correção monetária, há o pedido, sendo que a aplicação do índice decorre de previsão em lei.
3 – O pedido de inclusão da pensão em folha de pagamento consta na petição inicial.
4 – Não há utilidade no exame da preliminar de julgamento ultra petita quanto à determinação da Corte regional de que também fossem onerados imóveis para o fim de garantia do pagamento da pensão, pois essa matéria será analisada em tópico específico de maneira favorável à recorrente.
5 – Em relação ao argumento de que não houve pedido de pagamento de pensão mensal vitalícia, tem razão a reclamada, pois a reclamante pediu o pagamento de indenização por danos materiais até completar 73 anos (expectativa de vida). Nesse particular, está configurado o julgamento ultra petita.
6 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá parcial provimento.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONCLUSÃO DO INSS PELA APTIDÃO PARA O RETORNO AO TRABALHO. CONCLUSÃO DA EMPRESA EM SENTIDO CONTRÁRIO. RECLAMANTE QUE FICA SEM SALÁRIO E SEM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
1 – Há julgado da Sexta Turma do TST sobre a matéria (RR-111-76.2012.5.02.0003).
2 – A reclamante tem direito ao pagamento de salários, mas não ao pagamento de indenização por danos morais. Nesse caso não há conduta abusiva da empresa, mas vigilância quanto à situação psicobiofísica da empregada, cuja incapacidade para o retorno ao trabalho inclusive foi posteriormente confirmada pela perícia realizada nos autos. A empresa não poderia permitir o retorno da empregada que não tinha condições para isso, sob pena de violar normas de saúde e segurança, pelo que sua atitude demonstrou dever de cautela.
3 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CUMULAÇÃO DE INCLUSÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO E DE CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL (NO CASO CONCRETO SOB A FORMA DE ONERAÇÃO DE IMÓVEIS).
1 – No caso concreto, além de determinar a inclusão da pensão mensal em folha de pagamento, o TRT determinou a oneração de imóveis para o fim de garantia do pagamento da obrigação (forma encontrada pela Corte regional de assegurar a constituição de capital).
2 – Contudo, as obrigações não são cumulativas, mas alternativas, nos termos do CPC e da jurisprudência do TST. Há julgados da Sexta Turma.
3 – Assim, deve ser provido o recurso de revista para manter somente a inclusão em folha de pagamento.
4 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá parcial provimento.
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
Para a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça basta que seja declarada a condição de pobreza.
É o que dispõem o caput e o § 1º do artigo 4º da Lei nº 1.060/50, com a redação da Lei nº 7.510/86, e a Súmula n.º 463 do TST (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1).
Recurso de revista de que não se conhece.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
O TRT, ao condenar a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios sem que estivessem preenchidos os requisitos necessários, decidiu de modo contrário ao das Súmulas n.os 219 e 329 do TST.
Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
II – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE . ANTERIOR À LEI N.º 13.015/2014, À IN 40/TST E À LEI N.º 13.467/2017. SALÁRIOS VENCIDOS E VINCENDOS.
1 – O quadro fático dos autos é o seguinte: a reclamante sofreu acidente de trabalho (queda de escada no interior do ônibus que realizava limpeza), em 05/10/2006, o que, segundo a perícia, agravou problemas degenerativos (nexo concausal); o INSS concedeu benefício previdenciário na espécie 91 (auxílio-doença acidentário) até 01/11/2007, constatado que a reclamante estava apta para o trabalho; o exame médico realizado na empresa em 09/07/2007 constatou a incapacidade total para o trabalho; a perícia realizada nos autos constatou a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, e total para a atividade exercida; não houve rescisão do contrato de trabalho.
2 – Em casos como o dos autos, em que o INSS declara a capacidade do empregado para o trabalho e o exame médico realizado pela empregadora constata a incapacidade para o trabalho, a jurisprudência da Sexta Turma do TST tem entendido que é do empregador a responsabilidade pelo pagamento dos salários que o empregado tem direito, após a alta previdenciária. Julgados.
3 – Não cabe limitar o pagamento ao fim do período de garantia provisória no emprego. A responsabilidade da empresa é pelo pagamento dos salários, vencidos e vincendos após a alta do INSS, pelo período em que a reclamante deixar de recebê-los em razão do limbo previdenciário, até que se comprove nos autos, na fase de execução, a regularização da sua situação.
4 – Cumpre notar que no caso concreto, a rigor, embora tenha havido a alta do INSS, não houve o retorno ao trabalho nem rescisão contratual, perdurando a situação da reclamante no tempo, sem benefício previdenciário e sem salário, o que não pode ser admitido.
5 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
MONTANTE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
Prejudicado o recurso de revista da reclamante quanto ao tema, ante o provimento do recurso de revista da reclamada para excluir da condenação o pagamento da indenização por danos morais.
Recurso de revista de que não se conhece .
MONTANTE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. BASE DE CÁLCULO. REMUNERAÇÃO
1 – O artigo 950 do Código Civil prevê que, ” Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu “.
2 – Nesse sentido, a indenização por danos materiais é definida a partir da elaboração de cálculos, que devem ter por base o percentual de redução da capacidade de trabalho para o qual o trabalhador se se inabilitou.
3 – Quando há redução da capacidade de trabalho, o valor da pensão deverá ser proporcional à depreciação auferida e o cálculo da indenização deve ser apurado com base na incapacidade para o exercício de ofício ou profissão anteriormente exercido pelo trabalhador, e não para o mercado de trabalho em sentido amplo, devendo ser avaliada a situação pessoal da vítima.
4 – A jurisprudência da SBDI-1 do TST é de que, em regra, a pensão mensal deve ser equivalente a 100% da remuneração quando há incapacidade total para as atividades exercidas e incapacidade parcial para o trabalho, conforme se infere dos julgados citados.
5 – No caso, em razão da constatação da concausa, a reclamante tem direito ao pensionamento no importe de 50% da remuneração recebida, e não do salário.
6 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento parcial.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. PRETENSÃO DE PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA.
Não há como acolher a pretensão de conversão do pagamento de indenização por danos materiais de pensão mensal em parcela única porque é faculdade do julgador a determinação de quitação do montante de uma só vez, conforme as circunstâncias do caso. Julgados.
Recurso de revista de que não se conhece.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL.
1 – No caso de indenização por danos materiais, os juros de mora incidirão a partir do ajuizamento da ação, nos termos do disposto nos arts. 883 da CLT e 39, § 1º, da Lei n.º 8.177/91, que fixam critérios para apuração. Nesse aspecto, não há o que reformar.
2 – Em relação à correção monetária a partir do ajuizamento da ação, a decisão do TRT está mais favorável para a reclamante que o entendimento do TST, que é o de que deve ocorrer a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Sendo vedado a reformatio in pejus , deve ser mantido o acórdão também quanto a esse aspecto.
3 – Recurso de revista de que não se conhece.
SALÁRIOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
1 – O TRT não se manifestou sobre a época de pagamento dos salários e a correção monetária e juros incidentes, pelo que falta o prequestionamento. Óbice da Súmula n.º 297 do TST.
2 – Cumpre registrar que, não decididos os juros e a correção monetária na fase de conhecimento, pode a questão ser decidida pelo juízo da execução, por se tratar de critério de liquidação. Logo, nesse particular, não há prejuízo para a reclamante.
3 – Recurso de revista de que não se conhece.
Processo: E-ED-RR-51800-33.2012.5.17.0007