Empregado com câncer em estado avançado deve ser reintegrado

Para a 3ª Turma, a empresa dispunha de outros postos em que ele poderia ter sido realocado.

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a reintegração de um empregado da Brasdril Sociedade de Perfurações Ltda. dispensado uma semana depois de retornar de afastamento para tratamento de câncer do reto em estado avançado. Para a Turma, a dispensa foi presumidamente discriminatória.

O empregado foi contratado em junho de 2008 pela Brasdril como torrista em plataforma de petróleo da Petrobras na Bacia de Campos (RJ). Em maio de 2011, com o diagnóstico da doença, teve de ficar afastado por quase dois anos e, ao retomar suas atividades, em março de 2013, foi demitido. Ele então ajuizou a reclamação trabalhista.

Desmobilização

O juízo da Vara do Trabalho de São Mateus (ES) determinou sua reintegração, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região reformou a sentença, por entender que a empresa havia conseguido provar que a despedida não fora motivada pela doença. Segundo o TRT, a plataforma onde o torrista trabalhava havia sido desmobilizada, e seu antigo posto tinha sido extinto quando ele retornou à ativa.

Presunção de discriminação

O relator do recurso de revista, ministro Mauricio Godinho Delgado, assinalou que o trabalhador, ao ser acometido de doença considerada grave e estigmatizada, tem a seu favor a presunção de que a dispensa foi discriminatória (Súmula 443 do TST). Essa presunção, no entanto, não é absoluta, “sob risco de se criar uma nova espécie de estabilidade empregatícia”.

“Porém, esse não é o caso dos autos”, afirmou. O relator destacou que, conforme registrado pelo TRT, havia outros postos de trabalho na empresa e outras plataformas ativas em que o empregado poderia ter sido realocado. “Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física do empregado”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE – CÂNCER. ESTIGMA OU PRECONCEITO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 443/TST. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição violação aos arts. 1º, III, 3º, IV, e 7º, XXXI, da CF, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

B) RECURSO DE REVISTA . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE – CÂNCER. ESTIGMA OU PRECONCEITO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 443/TST. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física causada pelo câncer. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (arts. 1º, III e IV e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. Na esteira desse raciocínio, foi editada a Súmula 443/TST, que delimita a pacificação da jurisprudência trabalhista neste aspecto, com o seguinte teor: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego” . Registre-se, entretanto, que a presunção de ilegalidade do ato de dispensa do empregado portador de doença grave, ressoante na jurisprudência trabalhista, não pode ser de modo algum absoluta, sob risco de se criar uma nova espécie de estabilidade empregatícia totalmente desvinculada do caráter discriminatório que se quer reprimir. Assim, além da viabilidade da dispensa por justa causa, é possível também que a denúncia vazia do contrato de trabalho seja considerada legal e não se repute discriminatório o ato de dispensa. Porém, esse não é o caso dos autos . Na hipótese , o Reclamante, portador de neoplasia maligna, foi imotivadamente dispensado uma semana após o retorno do benefício previdenciário que percebia em razão de ser portador de câncer no reto em estado avançado . A Corte de origem, reformando a sentença recorrida, não considerou comprovada a tese de dispensa discriminatória, por entender que ” a empresa desmobilizou a plataforma onde ele (o Autor) laborava, de modo que o seu antigo posto de trabalho já havia sido extinto quando do seu retorno à ativa”. No entanto , registra o acórdão regional que, quando do retorno do Reclamante ao labor em virtude da cessação de benefício previdenciário, havia outros postos de trabalho ativos na empresa nos quais o Reclamante poderia ter sido realocado. Desse modo, diante do quadro fático delineado no acórdão recorrido, considera-se que a decisão regional, ao entender que não houve discriminação na dispensa do Reclamante – notadamente por existir outras plataformas ativas à época do retorno ao trabalho -, foi proferida em dissonância ao entendimento consubstanciado na Súmula 443/TST. Não é demais ressaltar que o Reclamante, sendo acometido por neoplasia maligna – câncer -, considerada uma doença grave e estigmatizada, tem a seu favor a presunção que a dispensa foi discriminatória à exegese da Súmula 443/TST. E a conduta discriminatória é gravemente censurada pela ordem jurídica, especialmente a partir dos comandos constitucionais de 5.10.1988 (Preâmbulo do Texto Máximo; art. 1º, III; art. 3º, I e IV; art. 5º, caput e inciso I; art. 5º, III, in fine , todos preceitos da Constituição da República). Recurso de revista conhecido e provido.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-462-45.2015.5.17.0191

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