Para a 5ª Turma, é necessária a comprovação da insuficiência de recursos
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou o benefício da justiça gratuita a uma empregada doméstica de Alfenas (MG) que também havia sido multada por litigância de má-fé. O indeferimento ocorreu porque ela não comprovou a insuficiência de recursos para arcar com as despesas processuais, e não pelo fato de ela ter recebido a penalidade.
Vínculo de emprego
Na ação, ajuizada em março de 2019, a trabalhadora disse que fora contratada para fazer a limpeza da “Estação Cafezal em Flor”, imóvel rústico destinado a locação para festas e eventos, onde teria prestado serviços de novembro de 2013 a outubro de 2017. De acordo com seu relato, ela não teve a carteira de trabalho registrada pelo empregador nem recebeu parcelas relativas a adicional de insalubridade, férias, 13º salário e horas extras, além do FGTS.
Em defesa, o suposto patrão argumentou que não tinha nenhum vínculo com o local e que a doméstica era esposa do caseiro do “Rancho Fundo”, outro imóvel alugado para eventos, mas jamais lhe prestara serviços. Segundo ele, o caseiro também havia ajuizado ação com algumas alegações idênticas e outras que se contradiziam.
Litigância de má-fé
O juízo da Primeira Vara do Trabalho de Alfenas negou os pedidos, entre eles o benefício da gratuidade de justiça, e ainda condenou a mulher ao pagamento de multa, fixada em 10% do valor da causa, por litigância de má-fé. O juiz destacou que a autora, no depoimento pessoal, havia contrariado as alegações que fizera na petição inicial do processo e concluiu que ela, a fim de obter recursos de uma condenação injusta e descabida, havia modificado a verdade dos fatos de maneira inconsequente.
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) manteve a condenação.
Regras próprias
No recurso de revista encaminhado ao TST, a autora sustentou que a aplicação da multa por litigância de má-fé não impede o deferimento da justiça gratuita, pois são institutos distintos.
O relator, ministro Breno Medeiros, ao analisar o apelo, explicou que as duas matérias têm regras específicas e que não há impedimento legal para a concessão da gratuidade nessa circunstância. Ele observou que a ação fora ajuizada na vigência da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que trata, no artigo 793-C da CLT, sobre a multa por litigância de má-fé, sem apontar qualquer conflito entre a má-fé processual e o acesso à justiça gratuita.
Entretanto, o ministro ressaltou que, de acordo com o entendimento da Quinta Turma, não basta a mera declaração da parte de que não tem condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do seu sustento e o da família para a concessão da justiça gratuita. É preciso a efetiva comprovação da carência financeira, seja por receber salário inferior a 40% do teto do Regime Geral de Previdência Social, seja por se encontrar desempregada. No caso, porém, a empregada doméstica não demonstrou sua insuficiência de recursos.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVOS DE INSTRUMENTO INTERPOSTOS PELAS TESTEMUNHAS DA PARTE AUTORA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ANÁLISE CONJUNTA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Verifica-se a existência de transcendência jurídica, uma vez que se trata de matéria nova no âmbito desta Corte. Em razão de provável ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravos de instrumento providos. RECURSOS DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. AGRAVOS DE INSTRUMENTO INTERPOSTOS PELAS TESTEMUNHAS DA PARTE AUTORA. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ANÁLISE CONJUNTA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. De acordo com o 793-D da CLT, acrescido pela Lei nº 13.437/2017, a multa por litigância de má-fé, prevista no art. 793-C, é aplicável à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa. Por outro lado, o art. 10 da Instrução Normativa nº 41 de 2018 desta Corte, que dispõe sobre a aplicação de normas processuais introduzidas pela Lei nº 13.467/2017 à Consolidação das Leis do Trabalho, estabelece que a multa aplicada à testemunha, na forma do artigo 793-D da CLT, estará limitada às ações propostas após 11/11/2017, caso dos autos, e deverá ser precedida de instauração de incidente, no qual serão assegurados o contraditório e a ampla defesa, além de oportunizada a possibilidade de retratação. Na hipótese, o e. TRT, ao manter a condenação ao pagamento da multa por litigância de má-fé, o fez ao registro de que “as testemunhas tentaram alterar a verdade dos fatos, com declarações tendenciosas, vacilantes e imprecisas”. Ocorre que quando do julgamento dos aclaratórios, a Corte local registrou expressamente que “a aplicação de multa aos embargantes não foi precedida da instauração do incidente previsto na IN TST 41/2018, podendo-se afirmar, nessa linha, que não lhes foi oportunizada defesa prévia”. Nesse contexto, não tendo sido instaurado o incidente previsto na Instrução Normativa nº 41 de 2018 desta Corte, tampouco oportunizados contraditório e ampla defesa prévios, é indevida a aplicação de multa por litigância de má-fé às testemunhas. Recursos de revista conhecidos e providos. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. COMPATIBILIDADE COM A CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. AÇÃO AJUIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Verifica-se a existência de transcendência jurídica, uma vez que, embora a matéria não seja nova no âmbito desta Corte, é analisada sob um novo viés. A controvérsia cinge-se em saber se, nos processos ajuizados após a vigência da Lei nº 13.467/2017, a condenação por litigância de má-fé obsta a concessão dos benefícios da justiça gratuita à parte que declara hipossuficiência econômica. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que o acesso à justiça gratuita e a penalização por litigância de má-fé possuem, cada qual, regramento próprio, e de que não há qualquer previsão legal acerca da incompatibilidade entre o reconhecimento da má-fé processual e o deferimento da gratuidade de justiça. Precedentes. Com o advento da Lei nº 13.467/2017, em vigor quando do ajuizamento da presente ação, foram incluídos na CLT os arts. 793-A a 793-D da CLT, passando a norma celetista a disciplinar, de forma específica, a responsabilidade das partes por dano processual. Com efeito, em que pese a Reforma Trabalhista, tenha inserido no texto da CLT as penalidades aplicáveis às partes por litigância de má-fé, verifica-se que tal alteração legislativa não teve o condão de modificar a jurisprudência firmada por esta Corte sobre a matéria ora debatida, mormente por não ser possível extrair dos novéis dispositivos (793-A a 793-D) qualquer termo e/ou expressão no sentido de que a má-fé processual conflita com a gratuidade de justiça. Logo, superada a questão acerca da compatibilidade entre tais institutos, cabível, desde logo, o pronunciamento desta Corte quanto ao pedido de concessão de gratuidade de justiça formulado pela autora, em atenção à teoria da causa madura (art. 1.013, § 3º, do CPC/15) e aos princípios da celeridade e economia processuais. Esta 5ª Turma compreende que, a partir da vigência da Lei nº 13.467/2017, para a concessão do benefício da gratuidade da justiça, exige-se não apenas a mera declaração ou afirmação que a parte não possui condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do seu sustento e da sua família, mas, também, a efetiva comprovação da situação de insuficiência de recursos, nos termos do art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT. No presente caso, verifica-se que a reclamante não se desvencilhou do seu encargo processual, o que desautoriza, nos termos do art. 790, § 3º, da CLT, a concessão do benefício da gratuidade processual com base na mera declaração de hipossuficiência. Nesse contexto, em que pese a transcendência jurídica da matéria, não há como prosseguir o recurso de revista. Recurso de revista não conhecido.
A decisão foi unânime.
Processo: RRAg-10181-26-2019-5.03.0086