Uma técnica de enfermagem conseguiu o direito de manter dois cargos públicos de Técnico de Enfermagem, um no Hospital das Forças Armadas (HFA), com jornada de trabalho de 30 horas semanais, e outro na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) com jornada de 36 horas semanais, totalizando 66 horas por semana de atividade profissional. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal João Luiz de Sousa, explicou que a Advocacia-Geral da União (AGU) havia emitido um parecer, seguido pela Administração Pública, limitando a jornada a 60 horas semanais sob os argumentos de que, acima disso, haveria prejuízo às condições de trabalho e ao descanso do servidor e de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinha essa mesma orientação jurisprudencial.
Porém, segundo o magistrado, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou orientação de que tanto a Constituição Federal de 1988 (CF/88) quanto a Lei 8.112/1990 (que trata do regime jurídico dos servidores públicos) permitem a acumulação de dois cargos de profissionais de saúde, exigindo-se apenas a compatibilidade de horários. Portanto, continuou, a CF/88 e a lei não estabelecem limite para a carga horária semanal.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS (DOIS DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM). POSSIBILIDADE. ART. 37, XVI, CF/88. EXIGÊNCIA DE COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. LIMITAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO A 60 (SESSENTA) HORAS SEMANAIS. PARECER-GQ Nº 145 DA AGU. INAPLICABILIDADE. RESTRIÇÃO NÃO IMPOSTA PELA NORMA CONSTITUCIONAL. JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STF.
1. Da análise da exordial e sentença, verifica-se que o juízo a quo deixou de se pronunciar acerca do pedido de declaração de legalidade do acúmulo de vínculos. Encontrando-se a lide em condições de imediato julgamento, impõe-se a análise do mérito.
2. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, inciso XVI, veda a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto: (a) de dois cargos de professor; (b) de um cargo de professor com outro técnico ou científico; e (c) de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, exigindo, para tanto, a compatibilidade de horários e não fazendo nenhuma alusão quanto à definição de um limite máximo para a carga horária de trabalho semanal.
3. Não cabe à Administração Pública, com base no Parecer-GQ nº 145 da AGU, impor restrições à acumulação lícita de cargos pelo só fato de a jornada total de trabalho superar o limite de 60 (sessenta) horas semanais, pois inexiste tal exigência na Constituição Federal.
4. A Suprema Corte firmou a compreensão no sentido de que a acumulação de cargos públicos, conforme previsão do art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita à imposição do limite de 60 (sessenta) horas para a carga horária semanal, uma vez que não há essa restrição na Constituição Federal, sendo exigida apenas a demonstração da compatibilidade de horários, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. (Precedentes do STF e STJ).
5. Na hipótese, a impetrante tomou posse no Hospital das Forças Armadas – HFA, em 24/08/2009, como técnica em atividades hospitalares, especialidade de enfermagem, com carga horária semanal de 40 (quarenta) horas, posteriormente reduzida, nos termos da Portaria nº 337, de 19/09/2014, para 30 (trinta) horas, em regime de escala. Em 03/02/2014, foi admitida pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH, na mesma função que já laborava no HFA – técnica de enfermagem -, sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, para o exercício das atividades em jornada de 36 (trinta e seis) horas semanais e escala alternada. Em 04/11/2014 foi notificada pelo HFA de que não poderia programar suas férias, referente ao ano de 2015, tampouco receber a progressão funcional no cargo de técnica de enfermagem, tendo em vista crítica apresentada no sistema SIAPE, por exceder o limite de 60 (sessenta) horas da jornada de trabalho (ID Num. 54067606 – Pág. 3)
7. A análise dos autos demonstra a possibilidade de acumulação dos cargos pretendidos pois há prova pré-constituída de efetiva compatibilidade entre as jornadas de trabalho (ID Num. 54067603 – Pág. 2 e ID Num. 54067605 – Pág. 3), que totalizam 66 (sessenta e seis) horas semanais, o que permite concluir pela higidez da prestação de serviço nos cargos públicos em questão.
8. Apelação provida para julgar procedente o pedido, reconhecendo a legalidade do acúmulo dos dois cargos, tendo em vista a comprovação da compatibilidade de horários, e até quando esta compatibilidade perdurar. Recurso adesivo da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH e remessa necessária desprovidas.
Com essas considerações, o desembargador federal votou no sentido de reconhecer a legalidade dos dois cargos públicos, e a Turma, por unanimidade, acompanhou o voto do relator.
Processo: 0080908-73.2014.4.01.3400