É ilegal a cobrança de percentual de coparticipação em home care, decide Terceira Turma

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é ilegal a cláusula de plano de saúde que prevê a cobrança de coparticipação, em forma de percentual, na hipótese de internação domiciliar (home care) substituta da internação hospitalar não relacionada à saúde mental.

A decisão teve origem em ação de obrigação de fazer com pedido de danos morais ajuizada por uma beneficiária e sua filha contra a operadora de plano de saúde, em razão da recusa de cobertura do serviço de home care, durante 24 horas por dia, bem como do tratamento medicamentoso prescrito à mãe.

Segundo os autos, apesar das recomendações médicas para o acompanhamento da paciente em tempo integral, o plano se recusou a oferecer tal cobertura, alegando que a beneficiária não atendia aos critérios de elegibilidade para a concessão do serviço 24 horas, devendo, nesse caso, ser cobrada coparticipação.

Modificação do local de tratamento não exime o plano da cobertura

A sentença – mantida em segundo grau – declarou que, se a doença é coberta pelo contrato, a simples modificação do local do tratamento não basta para exonerar a seguradora dos custos e impor a coparticipação ao beneficiário.

No STJ, a operadora sustentou que a possibilidade de cobrança da coparticipação está prevista no artigo 16, VIII, da Lei 9.656/1998; portanto, não haveria ilicitude de sua conduta nem direito a reparação, conforme o artigo 927 do Código Civil.

Modalidades de home care e cobrança de coparticipação

Em seu voto, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que, como definido pela Terceira Turma, o home care pode ocorrer em duas modalidades: a assistência domiciliar – atividades de caráter ambulatorial, programadas e continuadas, desenvolvidas em domicílio; e a internação domiciliar – atividades prestadas no domicílio, caracterizadas pela atenção em tempo integral ao paciente com quadro clínico mais complexo e com necessidade de tecnologia especializada.

\”Ambas as turmas da Segunda Seção do STJ assentaram entendimento no sentido de ser abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar\”, afirmou a magistrada.

Ela observou que o artigo 1º da Lei 9.656/1998 autoriza expressamente a possibilidade de coparticipação do contratante em despesas médicas específicas, desde que a obrigação para o consumidor figure de forma clara no contrato. De acordo com o STJ – acrescentou a relatora –, a coparticipação é legal, seja em percentual ou em valor fixo, apenas não podendo impedir o acesso ao tratamento.

Exceção aos eventos relacionados à saúde mental

Porém, a magistrada lembrou que os artigos 2º, VIII, e 4º, VII, da Resolução 8/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (Consu) vedam a cobrança de coparticipação em forma de percentual nos casos de internação, com exceção dos eventos relacionados à saúde mental, determinando que, para essa hipótese, os valores sejam prefixados e não sofram indexação por procedimentos ou patologias.

No caso dos autos, Nancy Andrighi ressaltou que a própria operadora informou que foi estabelecida em contrato a coparticipação do beneficiário sobre o total das despesas suportadas pelo plano no caso de internação domiciliar, limitada a 50% dos valores.

\”É forçoso concluir pela ilegalidade da cláusula que prevê a cobrança de coparticipação, em forma de percentual, no caso de internação domiciliar, até mesmo porque substituta da internação hospitalar não relacionada à saúde mental\”, disse a ministra.

Quanto à compensação por dano moral, a relatora lembrou que, em regra, o simples descumprimento contratual não gera dano moral de forma automática, mas a jurisprudência do STJ considera excepcional a hipótese de recusa injusta e abusiva do custeio de tratamento prescrito ao cliente de plano de saúde, pois isso agrava o seu quadro de aflição psicológica – circunstância que, no caso, foi apurada pelo tribunal de origem.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283⁄STF. PLANO DE SAÚDE. INTERNAÇÃO DOMICILIAR. COPARTICIPAÇÃO EM PERCENTUAL. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CARACTERIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. JULGAMENTO: CPC⁄15.
1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 13⁄06⁄2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 06⁄05⁄2021 e atribuído ao gabinete em 01⁄07⁄2021. Julgamento: CPC⁄15.
2. O propósito recursal consiste em decidir sobre: (i) a possibilidade de a operadora de plano de saúde cobrar coparticipação no caso de internação domiciliar; e (ii) o cabimento da compensação por dano moral.
3. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado, quando suficiente para a manutenção de suas conclusões, impede a apreciação do recurso especial.
4. Distinção entre assistência domiciliar e internação domiciliar, sendo que, na hipótese dos autos, de acordo com o contexto fático delineado no acórdão recorrido, conclui-se tratar-se de internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar.
5. O posicionamento adotado pela jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a contratação de coparticipação para tratamento de saúde, seja em percentual ou seja em montante fixo, desde que não inviabilize o acesso ao serviço de saúde é legal. Todavia, é vedada a cobrança de coparticipação apenas em forma de percentual nos casos de internação, com exceção dos eventos relacionados à saúde mental, hipótese em que os valores devem ser prefixados e não podem sofrer indexação por procedimentos e⁄ou patologias (arts. 2º, VIII, e 4º, VII, da Resolução CONSU nº 8⁄98).
6. Hipótese dos autos em que, foi estabelecida, contratualmente, a coparticipação da parte recorrida-beneficiária sobre o total das despesas arcadas pelo recorrente no caso de internação domiciliar em forma de percentual, razão pela qual conclui-se pela sua ilegalidade, até mesmo porque substituta da internação hospitalar não relacionada à saúde mental.
7. A negativa administrativa ilegítima de cobertura para tratamento médico por parte da operadora de saúde só enseja danos morais na hipótese de agravamento da condição de dor, abalo psicológico e demais prejuízos à saúde já fragilizada do paciente. Precedentes.
8. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

Leia o acórdão no REsp 1.947.036.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1947036

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