A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) extinguiu uma ação de rescisão de arrendamento rural cujo autor alegava ser o arrendante de uma fazenda, após o falecimento do usufrutuário do imóvel. Ao extinguir o processo sem resolução de mérito, o colegiado levou em consideração decisão superveniente em outra ação, transitada em julgado, a qual rescindiu o contrato de compra e venda que servia de fundamento para o suposto arrendante pleitear o fim do arrendamento da propriedade.
De acordo com os autos, em 1996, a fazenda se tornou objeto de usufruto vitalício. Em 1997, a filha do usufrutuário celebrou com o esposo (do qual viria a se separar mais tarde) compromisso de venda da fração ideal da fazenda que pertencia a ela (50%).
Decorridos alguns anos, em 2003, o usufrutuário arrendou a totalidade da fazenda para seu filho. Em 2004, o usufrutuário morreu, extinguindo-se o usufruto.
Com o falecimento, o ex-esposo da filha do usufrutuário – que adquiriu a fração ideal dela em 1997 – entendeu que deveria suceder o falecido na posição de arrendante no contrato celebrado em 2003. Posteriormente, como o filho do usufrutuário deixou de pagar algumas parcelas do arrendamento, o ex-esposo ajuizou ação de rescisão de contrato de arrendamento rural e reintegração de posse.
Decisão superveniente rescindiu o contrato firmado em 1997
Em primeiro grau, o juiz declarou rescindido o contrato de arrendamento rural e determinou a reintegração de posse. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
Após a interposição do recurso especial, o filho do usufrutuário informou ao STJ a ocorrência de julgamento superveniente, transitado em julgado, que rescindiu o compromisso de compra e venda celebrado em 1997 entre a sua irmã e o esposo à época, por falta de pagamento.
Decisões nas ações rescisória e de querela nulitatis foram desfavoráveis
O relator do recurso no STJ, ministro Marco Buzzi, destacou que o ex-esposo da filha do usufrutuário propôs ação rescisória
para desconstituir a sentença que rescindiu o contrato de compra e venda, porém houve uma primeira decisão do TJMT que indeferiu a petição inicial.
\”Embora não operada a preclusão máxima em relação ao decisum (indeferimento da inicial), observa-se a existência de decisão desfavorável (de cunho terminativo) ao ora recorrido, no âmbito da referida ação rescisória\”, afirmou o magistrado, lembrando que também foi proposta ação para anular a sentença (querela nulitatis insanabilis), a qual foi julgada improcedente em primeiro grau e aguarda o julgamento em segunda instância.
Nesse contexto, o ministro Buzzi apontou que há presunção de legitimidade da coisa julgada
, de modo que o simples ajuizamento da ação rescisória ou da querela de nulidade não impede a produção dos efeitos jurídicos da decisão transitada em julgado. O relator ressaltou ainda que tanto o Código de Processo Civil de 1973 quanto o CPC/2015 estipulam que o juiz deve tomar em consideração, no momento de decidir, qualquer fato novo constitutivo, modificativo ou extintivo de direito que possa influenciar no resultado do processo.
\”Não sendo o autor/recorrido proprietário (ou promissário comprador) da fazenda, conforme reconhecido em sentença judicial transitada em julgado, não detém ele legitimidade para prosseguir com a ação de resolução do contrato de arrendamento rural outrora celebrado por quem detinha o usufruto do bem, cumulada com reintegração de posse\”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, \”a\” e \”c\”, da CF⁄88) – AÇÃO DESCONSTITUTIVA (resolução de contrato de arrendamento rural) c⁄c REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PEDIDO CONDENATÓRIO (indenização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais) – PLEITOS JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.IRRESIGNAÇÃO DO RÉU⁄ARRENDANTE.COISA JULGADA SUPERVENIENTE À INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL – RESOLUÇÃO DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEL RURAL NO QUAL AMPARADO O DIREITO DO AUTOR DA DEMANDA SUBJACENTE A ESTE APELO NOBRE – PRESSUPOSTO LÓGICO-JURÍDICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO DESCONSTITUÍDO – RECONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.Hipótese: cinge-se a controvérsia em decidir acerca de pedido de resolução de contrato de arrendamento rural celebrado com o antigo usufrutuário do imóvel, ajuizado por aquele que se diz novo proprietário do aludido bem, considerando-se, ainda, a alegação de fato novo (coisa julgada superveniente).1. Ausente qualquer conteúdo decisório no ato impugnado, revela-se manifestamente inadmissível a interposição de agravo interno em face de despacho, a impor o não conhecimento do reclamo manejado às fls. 1901-19372. O incidente de falsidade não se destina a eventual reconhecimento de invalidade de sentença, com trânsito em julgado (fato novo a ser considerado no presente julgamento), na medida em que estabelecidas, no ordenamento jurídico pátrio, vias próprias e adequadas para desconstituição ou invalidação de decisão judicial com trânsito em julgado, quais sejam a ação rescisória e a querela nullitatis.3. A suspensão deste feito por eventual prejudicialidade externa não é admissível, pois superado em muito o prazo de um ano previsto no § 4º do artigo 313 do NCPC (correspondente ao art. 265, § 5º, do CPC⁄73), haja vista ter sido este recurso especial distribuído a esta Corte Superior em 24 de fevereiro de 2011, não podendo aguardar indefinidamente o desfecho de outras demandas, notadamente porque, in casu, o processo encontra-se hábil a julgamento, a considerar a situação jurídica vigente.4. Reconhecimento, em sentença transitada em julgado, proferida em outra ação judicial, da circunstância de que o autor da presente lide de rescisão de contrato e reintegração de posse jamais, em tempo algum, fora titular (proprietário) do bem imóvel em disputa na demanda ora em julgamento, fato que, agora demonstrado, enseja a constatação superveniente, neste grau de jurisdição, da intransponível ilegitimidade ativa ad causam, conforme determina o artigo 493 do atual Código de Processo Civil (art. 462 do CPC⁄73). Ainda assim, a matéria (ausência de legitimidade ativa) foi deduzida nas instâncias ordinárias e prequestionada.4.1 Conhecido o recurso especial, esta Corte detém cognição ampla para o julgamento da lide, podendo, ao aplicar o direito à espécie, levar em consideração fatos novos, extintivos do direito de uma das partes, ocorridos posteriormente ao ajuizamento da ação, nos termos do art. 462 do CPC⁄73 (art. 493 do CPC⁄15). (cf. AgInt nos EDcl no REsp 1327956⁄SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27⁄06⁄2017, DJe 03⁄08⁄2017)4.2 Havendo posterior decisão judicial, com trânsito em julgado, reconhecendo a resolução do compromisso de compra e venda de imóvel rural – título no qual se fundava o alegado direito do autor -, evidente sua ilegitimidade ativa para ajuizar demanda de resolução de contrato de arrendamento rural, relativo ao bem em questão.5. Recurso especial PROVIDO, a fim declarar a ilegitimidade ativa, e, em consequência, deixar de apreciar o mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.