Por maioria, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão extraordinária realizada na manhã desta terça-feira (7), deu provimento ao agravo regimental interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul no Recurso Extraordinário (RE) 1038035, negando a possibilidade de pagamento fracionado de honorários advocatícios em ação coletiva. O agravo foi apresentado contra decisão do relator, ministro Edson Fachin, que deu provimento ao RE, reformando decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-RS) para permitir o pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais sobre o crédito proporcional à fração de cada um dos beneficiários da decisão judicial na forma de Requisição de Pequeno Valor (RPV), se coubesse, ou de precatório.
Em sua decisão monocrática, Fachin assentou que o sistema processual atual busca a eficiência da jurisdição, possibilitando concentração das demandas por meio das ações coletivas. “Logo, seria totalmente contraproducente tornar a execução destas demandas vinculadas ao todo e impossibilitar a execução facultativa e individualizada das partes substituídas no processo original”, afirmou.
Para o ministro, se não for permitido o fracionamento, haverá o enfraquecimento do movimento de coletivização das demandas, com a possibilidade de proliferação de vários processos individuais, pois nada impediria, segundo seu entendimento, que os advogados fracionassem os litisconsórcios facultativos para depois executarem os honorários de forma proporcional ao valor principal de cada cliente.
Divergência
Na sessão de hoje, o relator votou pelo desprovimento do agravo regimental interposto pelo governo do Rio Grande do Sul contra sua decisão. Já o ministro Dias Toffoli divergiu e deu provimento ao agravo regimental (leia a íntegra do voto). Toffoli lembrou que a possibilidade de execução autônoma dos honorários advocatícios é ponto pacífico no STF, citando o julgamento do RE 564132, com repercussão geral, no qual o Tribunal fixou entendimento no sentido de que a verba honorária consubstancia direito autônomo, passível de execução em separado. Já quanto à controvérsia tratada no caso sob análise, o ministro entende que não se pode admitir o fracionamento, pois os honorários sucumbenciais não se confundem com o crédito dos patrocinados (partes).
Ele apontou que a verba em questão não pertence aos autores da ação, mas sim ao escritório de advocacia que patrocinou a causa, originada de um único processo judicial. “O direito do advogado ao percebimento dos honorários nasce da atuação no processo independente de quantos litigantes ele represente”, frisou.
Dias Toffoli argumentou que a quantia devida a título de honorários advocatícios é uma só, fixada de forma global, por ser um único processo, e consiste em título a ser executado de forma una e indivisível. “O fato de o advogado ter atuado em causa plúrima [múltipla] não torna plúrimo seu crédito à verba advocatícia, pois ela é única, visto que é calculada sobre o montante total devido, ainda que esse montante consista na soma de vários créditos unitários”, explicou.
De acordo com o ministro, embora a verba honorária tenha autonomia em relação ao crédito principal, podendo ser destacada do montante da execução, o fracionamento dessa parcela caracteriza hipótese vedada pelo artigo 100, parágrafo 8º, da Constituição Federal. O dispositivo proíbe a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o parágrafo 3º do artigo. Esse, por sua vez, estabelece que a expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, as quais as Fazendas Públicas devam arcar em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
O ministro Toffoli citou precedente da Segunda Turma no mesmo sentido de seu voto (RE 949383) e lembrou que já liberou para inclusão na pauta do Plenário os Embargos de Divergência no RE 919793, sobre o mesmo tema, de forma a pacificar a matéria no âmbito da Corte.
O recurso ficou assim decidido:
Trata-se recurso extraordinário contra acórdão da 25ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (eDOC 5, p. 57): “AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO. EXECUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. FRACIONAMENTO EM EXECUÇÕES EM NÚMERO IGUAL AO NÚMERO DE LITISCONSORTES. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. ARTIGO 100, §§3° E 4° DA CF. -Crédito individualmente considerado é compreendido como o montante que cabe a cada um no feito e se não ultrapassar o limite estabelecido pelo art. 87, I e II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, viável o pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor. Entendimento aplicável á verba honorária. -Não é possível fracionar o crédito de honorários em tantas execuções quantos forem os credores litisconsortes facultativos, para lograr o recebimento sem se submeter ao precatório. -Recurso não provido.” No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição da República, aponta-se ofensa aos arts. 5º, XXXV e LV; 93, IX; 100, §§3º e 4º, da Constituição da República, e 87 do ADCT. Nas razões recursais, sustenta-se o seguinte: “Ora, a simples análise do texto constitucional mostra de forma irrefutável que o artigo 100 da Constituição em momento algum caracteriza a execução conjunta dos honorários de ações coletivas juntamente com os créditos principais como hipótese de ‘fracionamento’. (…) Contrariamente ao firmado pelo acórdão recorrido, observa-se que a natureza mesma da ação coletiva impõe que os honorários de sucumbência da ação coletiva somente podem ser definidos ou concretizados à vista de cada crédito individual.” É o relatório. De plano, é necessário frisar que o sistema processual atual se voltou em direção à eficiência da jurisdição, possibilitando concentração das demandas por meio das ações coletivas. Logo, seria totalmente contraproducente tornar a execução destas demandas vinculadas ao todo e impossibilitar a execução facultativa e individualizada das partes substituídas no processo original. Acrescenta-se, ainda, que o STF julgou, por meio da sistemática da repercussão geral, tema análogo (Tema 148, RE-RG 568.645, Min. Rel. Cármen Lúcia, Dje 24.11.2014), no qual as razões de decidir do paradigma persistem. Transcreve-se excerto do voto condutor: “Todavia, não é possível ignorar, como pretende o Município, que as execuções promovidas por litisconsortes facultativos nascem fracionadas. Considere-se que o próprio executado pode opor a um ou alguns dos litisconsortes obstáculos à execução da sentença, como prescrição, realização de pagamento, dentre outros, conforme o art. 741, inc. VI, do Código de Processo Civil. O raciocínio desenvolvido pelo Recorrente levaria a inviabilizar o tratamento singularizado de cada litisconsorte facultativo, podendo trazer prejuízos à própria Fazenda Pública.” (…) “Não condiz com as medidas recentemente inseridas na Constituição da República (como a razoável duração do processo, a súmula vinculante, a repercussão geral, além de outras medidas inseridas na legislação processual) interpretar um de seus dispositivos de modo a desestimular a salutar formação de litisconsórcios facultativos simples para a discussão judicial de pedidos idênticos.” Ressalte-se, ainda, que o STF, também em sede de repercussão geral (Tema 18, RE-RG 564.132, Min. Rel. Cármen Lúcia, DJe 10.02.2015), já se manifestou sobre a distinção entre o valor principal e os honorários advocatícios. Confira-se a ementa do referido julgado: “CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.” Constata-se, portanto, que a discussão do presente caso difere dos dois temas citados, contudo há forte correlação entre as controvérsias, de modo que é viável depreender das razões de decidir de ambos os precedentes a possibilidade de individualização dos honorários advocatícios, proporcionalmente à fração de cada um dos litisconsortes facultativos. Do contrário, haveria o enfraquecimento do movimento de coletivização das demandas de massa, tendo em vista os instrumentos de concentração das lides e provável proliferação dos processos, pois nada impediria que os advogados fracionassem os litisconsórcios facultativos para depois executarem os honorários de forma proporcional ao valor principal de cada cliente. Nesse mesmo sentido, cito o RE-AgR 913.568, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 11.04.2016, assim ementado: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO PROPORCIONAL DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS ORIUNDOS DE SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO COLETIVO. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da possibilidade de execução de honorários sucumbenciais proporcional à respectiva fração de cada um dos substituídos processuais em ação coletiva contra a Fazenda Pública. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário a que se dá provimento, nos termos do art. 21, §2º, do RISTF, para reformar o acórdão recorrido e determinar determinar o pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais sobre o crédito proporcional à fração de cada um dos litisconsortes facultativos na forma de requisição de pequeno valor, se couber, ou de precatório. Ônus sucumbenciais invertidos, conforme a legislação processual. Custas ex lege.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência, formando a maioria no julgamento.
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Processo relacionado: RE 1038035