Foi por unanimidade que a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) julgou parcialmente procedente o pedido de habeas corpus (HC)que buscava remessa da ação penal a que reponde o paciente com a consequente anulação dos atos de instrução realizados pelo Juízo federal da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF). Os impetrantes alegaram que os fatos narrados na denúncia, ocorridos durante a construção do Estádio Nacional de Brasília, teria sido erroneamente classificado como corrupção e lavagem de dinheiro, e seriam ilícitos eleitorais, de competência da justiça eleitoral.
Por este motivo, requereram a anulação de todo o processo desde o início e anulação das decisões exaradas pelo juízo incompetente “com a consequente liberação de quaisquer bens e valores submetidos a gravame judicial”.
Ainda que o juízo impetrado tenha recusado a tese de incompetência da justiça eleitoral, o relator, desembargador federal Néviton Guedes, verificou que a denúncia afirma que a ação trata de vantagem ilícita suspostamente recebida pelo paciente por meio de doação eleitoral, configurando propina dentro do esquema das obras do estádio, conforme informações diretamente ligadas à Operação Panatenaico.
Destacou o magistrado que o Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), em casos em tudo idênticos aos tratados neste processo, entenderam que os valores repassados a título de doações eleitorais oficiais disfarçavam “o seu real propósito, qual seja, o pagamento de propina (tendo sido feito uso do sistema eleitoral para ocultar e dissimular a natureza e origem dos valores ilícitos, provenientes do crime de corrupção passiva).”
Ficou decidido também pelo STJ que, mesmo nos casos em que não tenha a denúncia narrado especificamente crimes eleitorais, havendo dúvida sobre a existência destes, cumpriria à justiça eleitoral deliberar sobre o seu eventual processamento ou desmembramento e sobre a anulação ou não dos atos praticados.
Compete, portanto, à justiça eleitoral, a deliberação sobre a necessidade ou conveniência de processar, em conexão, ou separadamente, os demais delitos versados em ação penal, nos termos do art. 80 do Código de Processo Penal (CPP), bem como sobre eventual ratificação, ou anulação, dos atos até agora praticados, concluiu o relator, votando pela concessão parcial da ordem de HC para determinar a imediata remessa dos autos da ação penal 1016326-71.2019.4.01.3400 à justiça eleitoral.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. OPERAÇÃO PANATENAICO. NARRAÇÃO DE FATOS QUE, EM TESE, CONFORMAM DELITO ELEITORAL. CRIMES CONEXOS. ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS À JUSTIÇA ELEITORAL. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE.
1. Busca-se com o presente habeas corpus a remessa da ação penal a que responde o paciente à Justiça Eleitoral, com a consequente anulação de todos os atos de instrução realizados pelo Juízo Federal, supostamente incompetente. A pretensão se sustenta na tese de que a denúncia, apesar de classificar qualificar os crimes imputados ao paciente como crime de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, teria, na verdade, narrado fatos que também conformariam ilícitos eleitorais e que, assim, a competência para processar e julgar o feito seria da Justiça Eleitoral, e não da Justiça Federal.
2. As imputações feitas pelo MPF, de forma expressa, fazem referência à existência de doações eleitorais oficiais, as quais, muito embora formalmente declaradas e contabilizadas, segundo a própria denúncia eram utilizadas para fraudar a origem criminosa dos recursos identificados, possuindo, portanto, significado jurídico/eleitoral, umbilicalmente, vinculado à atuação político-partidária do paciente, o que traduziria infrações penais eleitorais, “a atrair, ainda que em conexão com outros delitos comuns, a competência da Justiça Eleitoral para conhecer e processar a ação penal”. Precedentes.
3. Em situação em tudo similar ao caso dos presentes autos, o STJ identificou crime eleitoral (falsidade ideológica eleitoral) na conduta de quem promove (cito): “A realização de doações oficiais para dar aparência de licitude ao repasse de vantagens ao recorrente é repetida por inúmeras vezes ao longo da denúncia, com indicação da emissão de recibos eleitorais com finalidade única de \’lavar\’ a propina recebida\” (EDcl no AgRg no REsp 1784037/PR, relator ministro Jesuíno Rissato – Desembargador Convocado do TJDFT – relator p/acórdão ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, Dje 25/02/2022).
4. Já no julgamento do HC 700.727/PB, o STJ deixou assentado que, mesmo nos casos em que não tenha a denúncia narrado especificamente crimes eleitorais, quando não se possa afirmar de pronto a sua inexistência, cumpriria à justiça eleitoral deliberar sobre o seu eventual processamento (HC 700.727/PB, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 16/12/2021).
5. Havendo conexão entre feitos que tramitam na Justiça Comum (Federal ou Estadual), e na Justiça Eleitoral, deve prevalecer a competência da Especializada (Eleitoral). Precedentes.
6. Não é o caso de se determinar, como querem os impetrantes, a anulação de atos praticados perante o Juízo Federal, agora reconhecido incompetente. Os atos decisórios praticados por juízo incompetente podem ser ratificados pela autoridade judicial competente, cabendo, pois, a esse órgão jurisdicional deliberar sobre a legitimidade, ou não, da manutenção e do aproveitamento das medidas cautelares e instrutórias, eventualmente, realizadas no âmbito e por decisão do juiz incompetente. Cabe ao juízo competente a decisão sobre a ratificação dos atos decisórios. Precedentes.
7. Tendo em vista que também compete à justiça especializada (Eleitoral) a deliberação sobre eventual conexão ou separação do feito em relação aos crimes conexos, deve ser também àquela justiça especializada confiada e submetida a deliberação sobre a necessidade ou conveniência de processar, em conexão, ou separadamente, os demais delitos versados na ação penal. Em consequência, o presente julgamento incide sobre todos os ilícitos versados na ação penal aqui em discussão, bem assim sobre todos os acusados nela implicados, pois, consoante a jurisprudência pacífica das cortes superiores, cabe à justiça eleitoral deliberar sobre eventual existência de conexão, o que, por óbvio, implica todos os casos de reunião de processos previstos no CPP (conexão intersubjetiva, objetiva ou instrumental).
8. Habeas corpus que se concede parcialmente para, confirmando o que decidido em sede liminar, determinar a imediata remessa dos autos da ação penal 1016326-71.2019.4.01.3400 à justiça eleitoral, a quem caberá decidir sobre a necessidade ou não de julgamento conjunto e sobre a eventual remessa de parte do feito para processamento na Justiça Federal, nos termos do art. 80 do Código de Processo Penal, bem como sobre eventual ratificação, ou anulação, dos atos até agora praticados.
Processo 1043955-64.2021.4.01.0000