Campanha da Sadia é considerada abusiva por incentivar consumo de alimentos calóricos pelas crianças

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou abusiva campanha publicitária veiculada pela Sadia, em 2007, por ocasião dos Jogos Pan-Americanos. Direcionada ao público infanto-juvenil, a campanha incentivou os pequenos consumidores a trocarem os selos impressos nas embalagens de produtos da empresa por mascotes de pelúcia uniformizados, mediante o pagamento de R$ 3,00.

A Segunda Turma do STJ deu provimento, por unanimidade, ao recurso especial interposto pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo (Procon-SP) contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

A denúncia ao Procon foi feita pelo Instituto Alana, organização sem fins lucrativos. Segundo o instituto, o efeito da campanha seria incentivar entre as crianças o consumo de alimentos calóricos, que comprometem a alimentação saudável e podem trazer prejuízos à saúde.

Após a denúncia, a Sadia recebeu multa no valor aproximado de R$ 428 mil. A empresa alegou que não existe previsão no sistema jurídico de proibição de publicidade dirigida a crianças. Também argumentou que, ao enfatizar a prática desportiva por meio dos mascotes, estaria promovendo um comportamento saudável.

Código de Defesa do Consumidor

Após a imposição da multa, a Sadia recorreu judicialmente da decisão do Procon. Na primeira instância, foi considerado que não houve violação à legislação e que a campanha não se aproveitou da incapacidade de julgamento e da inexperiência das crianças.

O TJSP concordou que não houve excessos nem indução a comportamentos prejudiciais à saúde ou à segurança pessoal. Além disso, considerou que a decisão sobre a compra dos produtos alimentícios seria dos pais ou responsáveis, e não diretamente das crianças.

Em seu voto, o ministro Herman Benjamin, relator do caso, argumentou que a campanha representou caso de violação ao artigo 37, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece que são ilegais as campanhas publicitárias de fundo comercial que utilizem ou manipulem o universo infantil.

“O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência reconhecendo a abusividade de publicidade e propaganda de alimentos direcionadas às crianças, de forma direta ou indireta. Isso porque a decisão de comprar os gêneros alimentícios cabe aos pais, especialmente em épocas de grandes índices de obesidade infantil”, afirmou o relator.

O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AUTO DE INFRAÇÃO E MULTA DO PROCON. PUBLICIDADE DESTINADA ÀS CRIANÇAS. GÊNEROS ALIMENTÍCIOS DE BAIXA QUALIDADE NUTRICIONAL. PUBLICIDADE ABUSIVA. ART. 37, § 2º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
1. Hipótese em que o Tribunal estadual consignou: “[…] não se verificando na campanha publicitária excesso qualificável como patológico nem ofensa aos hipossuficientes (crianças), por desrespeito à dignidade humana, por indução de comportamentos prejudiciais à saúde ou à segurança pessoal, por exploração de diminuta capacidade de discernimento ou inexperiência, por opressão, ou, ainda, por estratégia de coação moral ao consumo ou abuso de persuasão, não se justifica a autuação e a punição aplicada pelo Procon.” (fl. 647, e-STJ).
2. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência reconhecendo a abusividade de publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. Isso porque a decisão de comprar gêneros alimentícios cabe aos pais, especialmente em época de altos e preocupantes índices de obesidade infantil, um grave problema nacional de saúde pública. Diante disso, consoante o art. 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, estão vedadas campanhas publicitárias que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil. Na ótica do Direito do Consumidor, publicidade é oferta e, como tal, ato precursor da celebração de contrato de consumo, negócio jurídico cuja validade depende da existência de sujeito capaz (art. 104, I, do Código Civil). Em outras palavras, se criança, no mercado de consumo, não exerce atos jurídicos em seu nome e por vontade própria, por lhe faltar poder de consentimento, tampouco deve ser destinatária de publicidade que, fazendo tábula rasa da realidade notória, a incita a agir como se plenamente capaz fosse. Precedente do STJ.
3. Recurso Especial provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1613561

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