A Justiça do Trabalho entendeu que as condições de trabalho na agência favoreceram a agressão verbal
A Caixa Econômica Federal – CEF deverá pagar indenização de R$ 20 mil a uma recepcionista de uma agência bancária de Florianópolis (SC) que foi vítima de injúria racial cometida por uma cliente. A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou o recurso da empresa, que buscava alterar a condenação, ao levar em conta que as condições de trabalho propiciaram a situação.
Injúria racial
A recepcionista, contratada por uma prestadora de serviços, auxiliava no autoatendimento, prestava informações e distribuía senhas ao público. Ela relatou na reclamação trabalhista que a agência em que trabalhava atendia um grande público, na maioria formado por beneficiários de programas sociais, e que passava por diversas situações estressantes, inclusive de discriminação racial.
Os problemas, segundo ela, foram informados ao seu supervisor, mas nenhuma providência chegou a ser tomada. Em 18 de março de 2018, uma cliente se exaltou e passou a ofendê-la com palavras de baixo calão e injúrias raciais. A situação levou a recepcionista a se afastar, em razão do abalo emocional. Uma semana após retornar ao trabalho, ela foi dispensada.
Danos morais
A empregada, então, ingressou com a reclamação trabalhista para reivindicar o pagamento da indenização por danos morais. Em sua defesa, a Caixa argumentou que não poderia ser responsabilizada, já que a injúria racial foi cometida por terceiro, sobre o qual não tinha nenhum controle.
Condições de trabalho
O juízo da 5ª Vara do Trabalho de Florianópolis considerou que as condições de trabalho da agência favoreceram o ato de injúria racial. Para a Justiça, ficou comprovado que o número de empregados da agência era insuficiente para responder à demanda do público, o que gerava insatisfação nos clientes. Além disso, discussões e até ofensas de clientes eram habituais no estabelecimento.
Ainda de acordo com a sentença, o empregador, embora não tenha total controle sobre as condutas dos clientes, tem o dever de tomar medidas para que situações desse tipo sejam evitadas, como providenciar número adequado de funcionários e fazer campanhas de conscientização para estimular o respeito entre clientes e atendentes.
Imagem
A Caixa recorreu, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) manteve a decisão. Segundo o TRT, o patrimônio jurídico da pessoa não é formado apenas pelos bens materiais e economicamente mensuráveis, mas também pela imagem que ela projeta no grupo social. Se esse patrimônio é atingido por ato de terceiro, o responsável pelo dano tem a obrigação de repará-lo ou, ao menos, de minimizar seus efeitos.
Ambiente propício
Para o relator do agravo de instrumento da Caixa, ministro Augusto César, ficaram evidentes a caracterização de culpa, dano e nexo causal que fundamentaram a condenação. Segundo ele, está registrado na decisão do TRT que o banco proporcionou um ambiente de trabalho propício ao ocorrido, uma vez que a agência precisava de mais funcionários em decorrência do perfil dos clientes, que exigiam maior dedicação e mais tempo para auxílio, suporte e assistência.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INJÚRIA RACIAL. CONDIÇÕES DE TRABALHO PROPÍCIAS AO DANO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. No caso em tela, o debate acerca do pedido de indenização por dano moral, em decorrência da injúria racial sofrida pela reclamante, detém transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT. Transcendência jurídica reconhecida.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INJÚRIA RACIAL. CONDIÇÕES DE TRABALHO PROPÍCIAS AO DANO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT , ATENDIDOS . A dignidade humana não é valor jurídico que, associando-se à realidade vivenciada pelos sujeitos da relação de trabalho, tem expressa referência no texto constitucional. Também se reporta a Constituição ao valor social do trabalho e, sempre que o faz, esforça-se por combiná-lo com a livre-iniciativa e assim proclamar que a liberdade de empreendimento se legitima na exata medida em que se concilia com a função social que lhe é imanente. É o que se extrai, claramente, do art. 1º, III (o qual eleva a dignidade humana à categoria de fundamento da República) e do art. 170 da Carta Magna: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. O princípio da dignidade da pessoa humana igualmente não exaure a sua atuação no âmbito do direito laboral, pois interfere em setores variados da vida e do Direito. Mas, voltando os olhos à realidade dos que vivem um liame empregatício, uma tarefa deveras interessante seria a de identificar os direitos sociais que salvaguardariam, em qualquer sítio onde se realizasse o labor humano, condições de trabalho mínimas, abaixo das quais não haveria trabalho digno. No caso em análise, extrai-se do trecho transcrito que apesar de as ofensas terem sido proferidas por uma cliente que aguardava atendimento, as condições no ambiente de trabalho favoreceram o ocorrido, uma vez que a agência contava com um contingente reduzido de atendentes – conforme relato da testemunha ouvida a convite da ré -, quando, na verdade, o perfil de atendimento da agência demandaria o contrário, exigindo-se maior dedicação, mais tempo para auxílio, suporte e assistência aos clientes . Agravo de instrumento não provido .
VALOR ARBITRADO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL . REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT , ATENDIDOS. No caso em análise, a reclamada impugna a proporção entre o dano e o montante arbitrado. Ora, está consignado no acórdão que o banco proporcionou um ambiente laboral propício ao ocorrido, uma vez que a agência precisava de um número maior de funcionários em decorrência do perfil daqueles clientes, pois exigiam maior dedicação, mais tempo para auxílio, suporte e assistência. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. Importa ressaltar que, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade , e levando em conta a injúria sofrida, bem como o fato de a reclamada ser uma instituição financeira de grande porte, com a responsabilidade de proporcionar ambiente de trabalho saudável, afasta-se, principalmente , possível configuração de transcendência política. A par disso, irrelevante perquirir acerca do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado Agravo de instrumento não provido.
A decisão foi unânime.
Processo: AIRR-462-61.2018.5.12.0035