A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF) manteve a sentença que condenou a Caixa Econômica Federal (Caixa) a pagar uma construtora contratada para realizar as obras de mil casas populares do Programa Minha Casa, Minha Vida no município de Tucuruí, no Pará, pelo valor apurado por meio de perícia técnica, visto que houve a conclusão de 71% do empreendimento.
De acordo com o processo, a Caixa rescindiu unilateralmente o contrato após o descumprimento de 12 meses para a conclusão das obras. O relator, desembargador federal Jamil de Jesus Oliveira, explicou que a empresa pública deixou de pagar por fases da construção já realizadas sob o argumento de que a construtora não entregou as obras no prazo contratado – ou seja, deixou de cumprir sua obrigação alegando, por sua vez, não cumprimento da obrigação assumida pela construtora.
O magistrado entendeu que a Caixa errou ao estabelecer o prazo de apenas 12 meses para construir mil casas sem considerar o enorme volume de terraplanagem a ser realizado no terreno e as conhecidas chuvas torrenciais que ocorrem em Tucuruí.
Por outro lado, ressaltou o desembargador que a construtora errou em não prever as dificuldades de realização em tempo tão curto e a escassez de mão de obra especializada e não cumpriu o contrato de forma integral nos prazos, apesar de seguidos aditamentos e prorrogações.
Parcela significativa – Porém, segundo o relator, não é devida a retenção de valores à construtora sob o argumento de que o contrato como um todo não foi cumprido. Ele destacou que a negativa ao cumprimento do contrato pela Caixa poderia se basear na ausência de cumprimento de parcela significativa da obra e não pelo atraso na execução da parcela da obra que já fora medida, e não considerar o empreendimento como um todo, que é a alegação da empresa pública.
Neste caso, prosseguiu o magistrado, ficou caracterizada a culpa concorrente (isto é, de ambas as partes) no descumprimento do contrato. Porém, de acordo com os Relatórios de Acompanhamento de Empreendimento (RAE), com quais a Caixa atestava as medições da construtora, 71,06% dos serviços foram executados e os valores efetivamente devidos devem ser pagos, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE CONSTRUÇÃO DE CASAS POPULARES. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. RESILIÇÃO UNILATERAL. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. DESCUMPRIMENTO PARCIAL. PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO INDEVIDA DE PARCELAS INCONTROVERSAS. CULPA CONCORRENTE CARACTERIZADA. SENTENÇA MANTIDA.
1. Trata-se de apelação interposta pela Caixa Econômica Federal e de recurso adesivo interposto pela parte autora em face de sentença que julgou procedente o pedido e condenou a empresa pública ao pagamento de valores decorrentes da resilição do contrato entabulado entre as partes.
2. Na origem, as partes celebraram avença para a construção de 1.000 (mil) casas no âmbito do programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”, no Município de Tucuruí/PA, e o contrato foi resilido quando havia sido construído 71,06% (setenta e um virgula zero seis por cento) do empreendimento, segundo a perícia judicial.
3. Afastada a alegação de nulidade do laudo pericial em razão de cerceamento de defesa. Embora o pedido da Caixa de dilação do prazo para manifestação sobre o laudo não tenha sido analisado, a empresa pública apresentou impugnação, fato que ensejou a elaboração de laudo suplementar pelo perito judicial. Incidência do princípio jurídico pelo qual não há nulidade sem prejuízo – “pas de nullité sans grief”.
4. Nos contratos bilaterais sinalagmáticos, ambas as partes têm direitos e deveres e os contratantes devem cumprir, de forma recíproca, as obrigações e prestações assumidas.
5. O instituto da exceção do contrato não cumprido – “exceptio nom adimpleti contratus” – está previsto no art. 476 do Código Civil e ocorre quando uma das partes deixa de cumprir sua obrigação em razão do não cumprimento da obrigação assumida pela outra parte contratante.
6. A proporcionalidade na aplicação da exceção de contrato não cumprido é questão já apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que estabeleceu que “a recusa da parte em cumprir sua obrigação deve guardar proporcionalidade com a inadimplência do outro, não havendo de se cogitar da arguição da exceção de contrato não cumprido quando o descumprimento parcial é mínimo” (STJ, REsp 981.750/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJE 23/04/2010 e precedentes declinados no voto)
7. No caso concreto, a prova dos autos demonstra que a ação e a omissão de ambos os contratantes contribuíram para o atraso das obras.
8. Errou a Caixa ao estabelecer o exíguo prazo de 12 (doze) meses para a construção de 1.000 (casas) sem levar em conta o enorme volume de terra que deveria ser movido pela construtora (terraplanagem) para a execução do empreendimento, tampouco as conhecidas e torrenciais chuvas que ocorrem sazonalmente na região que abrange o Município de Tucuruí/PA, tudo isso a atrapalhar o cronograma de obras.
9. Errou a construtora na falta de previsão das dificuldades de realização do empreendimento em apenas um ano e na avaliação das dificuldades de contratação de mão de obra especializada naquela localidade, influenciada, à época, pela construção da UHE Belo Monte.
10. A alegação da apelante de má qualidade das obras realizadas não se comprovou a ponto de justificar a resilição, pois o perito consignou que, “não obstante a existência de vários vícios na execução contratual, todos os Relatórios de Acompanhamento de Empreendimento — RAE’s emitidos pela demandada não têm no quesito ‘Qualidade de Execução da Obra’ os vícios relatados nas vistorias. As respostas a tal quesito eram sempre ‘bom’ ou ‘não respondido’”.
11. Ao contrário do alegado pela Caixa, a retenção dos valores relativos às medições de ns. 25 e 26 – parcelas incontroversas e não pagas – não se justifica à luz da exceção de contrato não cumprido. A execução do contrato era paga após as medições e a elaboração dos respectivos Relatórios de Acompanhamento de Empreendimento – RAEs. Então, só se justificariam eventuais retenções de parcelas específicas se a obra não tivesse evoluído e os objetos das medições não tivessem sido efetivamente executados, o que não ocorreu na hipótese com relação às medições de ns. 25 e 26.
12. Assim, não se afigura possível a retenção de valores efetivamente devidos à construtora decorrentes de avanços nas obras, atestadas e medidas, sob o argumento de que o contrato como um todo não foi cumprido. A negativa ao cumprimento da prestação pela Caixa poderia fundar-se, tão somente, na ausência de cumprimento de parcela significativa da obra e que fosse efetivamente indicativa de que o contrato não mais chegaria a bom termo, mas não de atraso na execução da parcela da obra e que já fora medida, e não considerar o empreendimento como um todo, que é a alegação da empresa pública.
13. O valor correspondente ao avanço da obra e que representaria a medição de n. 27 (mas que não chegou a ser aferida por omissão da empresa pública) é passível de definição por arbitramento, tendo por norte o montante encontrado no laudo pericial.
14. O reconhecimento da culpa concorrente das partes acarreta o não provimento do recurso adesivo da parte autora, que tem por objeto caracterizar que “a quebra do contrato decorreu de culpa exclusiva da Caixa Econômica Federal”.
15. Honorários advocatícios recursais fixados nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
16. Apelação da Caixa Econômica Federal e recurso adesivo da parte autora desprovidos.
A Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação da Caixa e ao recurso da autora, conforme o voto do relator.
Processo: 0001814-10.2014.4.01.3907