A emissão das Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) é obrigação do empregador
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou examinar recurso do Banco Santander (Brasil) S.A. contra decisão que o condenou a pagar R$ 500 mil por não emitir Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) no Estado da Paraíba. Para o colegiado, o valor da indenização é razoável e está dentro do patamar médio estabelecido pelo TST em casos semelhantes.
Recusa
A CAT é um documento emitido para reconhecer um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional. Segundo o artigo 22 da Lei 8.213/1991, que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social, a comunicação deve ser feita pelo empregador à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte à ocorrência e, em caso de morte, de imediato, sob pena de multa.
Na ação civil pública, ajuizada em 2014, o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas do Ramo Financeiro no Estado da Paraíba sustentou que o Santander havia se recusado a emitir a CAT inúmeras vezes, obrigando os empregados a acioná-lo para o encaminhamento para perícia no INSS. De acordo com a entidade, a recusa na emissão do documento dificulta a concessão do benefício.
Dano coletivo
O pedido foi julgado procedente pelo juízo de primeiro grau, que condenou a empresa a emitir a CAT nos moldes da lei e a não dispensar empregados afastados pela Previdência, além de pagar R$ 800 mil por dano moral coletivo.
O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB) manteve a condenação, mas reduziu o valor de R$ 800 mil para R$ 500 mil. Segundo o TRT, as provas demonstraram que as diversas CATs emitidas pelo sindicato representam a quase totalidade dos 54 acidentes noticiados pelo INSS no período, configurando a omissão do empregador quanto ao dever legal de emiti-las.
Omissão e negligência
Segundo o relator do agravo pelo qual o Santander pretendia rediscutir o processo no TST, ministro Mauricio Godinho Delgado, a comprovação da omissão e da negligência do banco evidenciou o efetivo prejuízo gerado aos trabalhadores. Ele explicou que a emissão do documento é extremamente importante para o controle do Poder Executivo sobre o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho e, consequentemente, para a prevenção de acidentes. A medida também é relevante para facilitar a concessão de benefícios previdenciários em caso de doenças incapacitantes.
Ainda segundo o ministro, as condutas da empresa, “de fato, causaram dano moral de ordem coletiva.
Valor
Quanto ao montante da indenização, o relator salientou que, diante da gravidade e da repetição das condutas lesivas, do bem jurídico atingido e da capacidade econômica do empregador, entre outros aspectos, o valor de R$ 500 mil é razoável e está dentro do patamar médio estabelecido pelo TST em casos semelhantes.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ANTERIOR ÀS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017 . 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. 2. OBRIGAÇÃO DE FAZER: EMISSÃO DE CAT (COMUNICAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO) NOS MOLDES DA LEI E ABSTENÇÃO DE DISPENSA DE EMPREGADOS EM GOZO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. TUTELA INIBITÓRIA DE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DA LEI. MEDIDA PREVENTIVA. CABIMENTO. MATÉRIA FÁTICA. 3. MULTA COERCITIVA. 4. DANO MORAL COLETIVO. VALOR ARBITRADO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE OBSERVADOS. 5. LIMITES TERRITORIAIS DA DECISÃO. EFEITOS ERGA OMNES PREVISTOS NO ART. 103, I, DO CDC, SEM INCIDÊNCIA DA RESTRIÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DISPOSTA NO ART. 16 DA LEI N. 7.347/85, CONFORME ENTENDIMENTO PREVALECENTE NESTA CORTE (SBDI-1/TST). 6. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 219, III, DO TST. A configuração do dano moral exige a constatação de lesão a uma coletividade, um dano social que ultrapasse a esfera de interesse meramente particular, individual do ser humano, por mais que a conduta ofensora atinja, igualmente, a esfera privada do indivíduo. No âmbito das relações de trabalho, as situações de dano moral coletivo tendem a traduzir uma linha de conduta reiterada de entidades que têm papel relevante no mundo do trabalho, como as empresas e entidades dirigidas à contratação e gestão de mão de obra. Desde que a conduta envolva distintos trabalhadores, em torno de atos jurídicos distintos, caracterizando-se por significativa lesividade, de modo a tornar relevante seu impacto em certa comunidade, pode despontar o dano moral coletivo trabalhista. O dano moral coletivo, portanto, configura-se, em vista da lesividade que tais afrontas trazem à dignidade da pessoa humana, ao valor social do trabalho, à segurança e bem-estar dos indivíduos, ao exercício dos direitos sociais e individuais, à ideia de uma sociedade livre, justa e solidária, à noção e realidade de justiça social. Em suma, trata-se de desrespeito a toda uma miríade de bens, valores, regras, princípios e direitos de exponencial importância ao Estado Democrático de Direito e que a Constituição quer ver cumpridos no Brasil, em benefício de toda a sua população. Evidentemente, ensejam a configuração do dano moral coletivo lesões macrossociais decorrentes de estratégias de atuação de empreendimentos econômicos e/ou sociais que se utilizam de caminhos de contratação de força de trabalho humana mediante veículos manifestamente precarizadores de direitos trabalhistas, um dos quais o direito a um meio ambiente de trabalho seguro, saudável e equilibrado (art. 225, caput , da CF). No caso concreto , ficou amplamente comprovado que a conduta patronal lesou direitos coletivos e individuais homogêneos de uma parte considerável da comunidade laboral circundante à Empresa, que foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. O TRT registrou que a configuração do dano moral coletivo resultou da violação a um conjunto de normas que visam a preservar direitos sociais pertinentes à segurança, à saúde e à proteção previdenciária dos trabalhadores. A omissão e negligência da Empresa no procedimento de emissão da CAT de seus empregados, de maneira generalizada, como demostrou as provas, evidenciou o efetivo prejuízo gerado para os trabalhadores. É que tal procedimento (comunicação do acidente à Previdência Social) tem elevada importância para o controle dos Órgãos do Poder Executivo sobre o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho no âmbito das empresas (e, consequentemente, para a prevenção de acidentes), bem como para facilitar a percepção de benefícios previdenciários pelos trabalhadores, em caso de acometimento por doenças incapacitantes . Não há dúvida, pois, de que a conduta omissiva e negligente da Ré em relação às normas de proteção previdenciária implicou lesão macrossocial que atingiu toda a comunidade laboral a ela circundante. Fixadas tais premissas fáticas, verifica-se que a conduta da Empresa Ré contraria a ordem jurídica nacional, consubstanciada nos fundamentos (art. 1º, caput ) e também objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, caput ). Tais fundamentos e objetivos, encouraçados em princípios e regras constitucionais, todos com inquestionável natureza e força normativa, contingenciam fórmulas surgidas na economia e na sociedade de exercício de poder sobre pessoas humanas e de utilização de sua potencialidade laborativa. A partir desse contexto principiológico e normativo é que a Constituição estabelece os princípios gerais da atividade econômica (Capítulo I do Título VII), fundando-a na valorização do trabalho e da livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (” caput” do art. 170 da Constituição Federal). Por essa razão é que, entre esses princípios, destacam-se a função social da propriedade (art. 170, III), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII), a busca do pleno emprego (art. 170, VIII). Na mesma linha de coerência, a Carta Máxima estabelece a disposição geral da ordem social (Capítulo I do Título VIII), enfatizando que esta tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193). Assim, à luz da fundamentação constante no acórdão recorrido, extrai-se que as condutas omissivas e negligentes da Reclamada, em descumprimento das normas de proteção e segurança previdenciária dos trabalhadores, de fato, causaram dano moral de ordem coletiva, não merecendo reparos a decisão do TRT, portanto . Nesse contexto, o objeto de irresignação recursal – no atinente à declaração de responsabilidade civil da Reclamada, pelo dano moral coletivo – está assente no conjunto fático-probatório dos autos, cuja análise se esgota nas Instâncias Ordinárias. Adotar entendimento em sentido oposto àquele formulado pelo Tribunal Regional implicaria, necessariamente, revolvimento de fatos e provas, propósito insuscetível de ser alcançado nesta fase processual, diante do óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido.
Processo: AIRR-54600-83.2014.5.13.0004