Para a 6ª Turma, a empresa não demonstrou que a demissão foi lícita.
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou discriminatória a dispensa de um assistente administrativo da Equatorial Piauí Distribuidora de Energia S.A., de Teresina (PI), diagnosticado com esquizofrenia. Ao rejeitar o exame de recurso da empresa contra a ordem de reintegração no emprego, o colegiado reafirmou o entendimento da Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a dispensa de pessoa com doença grave que cause estigma ou preconceito.
Sob controle
O empregado disse, na reclamação trabalhista, que estivera afastado por vários períodos durante os 11 anos de Equatorial, em razão da doença, sobretudo em 2017, quando teve de se afastar pelo INSS. Ao retornar ao trabalho – e com a doença sob controle –, ele foi dispensado sem justa causa, o que o levou ao agravamento do problema, “provocando um verdadeiro desespero”. A situação o impediu de buscar novo emprego.
Doença grave
O juízo da Vara do Trabalho de Floriano (PI) declarou a nulidade da rescisão do contrato e deferiu a reintegração do empregado. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI), para o qual houve abuso de direito do empregador, com violação da dignidade humana, por se tratar de doença grave e sem cura. “A empresa demitiu o empregado após ele retornar de sua licença médica, mesmo necessitando do seu serviço, substituindo-o por outro”, registrou o TRT.
Fatores financeiros
A empresa recorreu ao TST alegando que a dispensa ocorrera após a privatização, quando foram demitidas outras 17 pessoas, com objetivo de contenção de gastos e reestruturação. Essa circunstância afastaria a aplicação da Súmula 443 do TST, pois demonstraria que a dispensa decorrera de fatores financeiros.
Estigma e preconceito
O relator, ministro Lelio Bentes Corrêa, disse que não há dúvida, no TST, quanto à gravidade e à natureza estigmatizante da esquizofrenia. Ele lembrou que, antes mesmo da edição da Súmula 443 e de legislação que assegurasse a garantia provisória no emprego da pessoa com doença grave, o Tribunal reconhecia o direito à reintegração quando não havia motivação plausível para a dispensa. “São garantias constitucionais relativas ao direito à vida, ao trabalho e à dignidade da pessoa humana”, ressaltou.
Segundo ele, em se tratando de esquizofrenia, há presunção relativa de que a dispensa é discriminatória, a menos que seja demonstrada motivação lícita e plausível do empregador para romper o contrato. No caso, porém, não houve prova suficiente nesse sentido.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO A ACÓRDÃO PROLATADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO RECONHECIDA. 1 . Em relação à nulidade arguida pela parte, é possível o reconhecimento da transcendência política e jurídica da matéria quando a decisão recorrida encontrar-se eivada de vício insuperável, visto que a entrega da prestação jurisdicional adequada e devidamente fundamentada constitui a função precípua do Poder Judiciário. Assim, eventual falha no exercício dessa função, além de comprometer o restabelecimento da ordem jurídica, frustra a solução dos conflitos e viola o direito fundamental do cidadão ao devido processo legal. 2. Não se reconhece, todavia, no presente caso, a transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza política e jurídica, porquanto as razões de decidir encontram-se devidamente reveladas, contemplando a totalidade dos temas controvertidos. Uma vez consubstanciada a entrega completa da prestação jurisdicional, não se cogita em transcendência da arguição de nulidade. 3. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.
AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO A ACÓRDÃO PROLATADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ESQUIZOFRENIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. Cinge-se a controvérsia a aferir a legalidade da dispensa de empregado acometido de patologia psiquiátrica – esquizofrenia. 2. Diante da complexidade e da atualidade da questão controvertida, resulta prudente o reconhecimento da transcendência jurídica da causa, a fim de possibilitar o exame de mérito da controvérsia. 3. A jurisprudência desta Corte superior consolidou-se no sentido de que se presume discriminatória a dispensa do empregado portador de doença grave que cause estigma ou preconceito. Entende-se, assim, que recai sobre o empregador o ônus de comprovar que não tinha ciência da condição do empregado ou que o ato de dispensa ostentava outra motivação, lícita. A demonstração robusta de razão plausível para a dispensa de empregado nessas condições é capaz de ilidir, portanto, a presunção relativa de que se cuidou de conduta empresarial discriminatória. 4 . Importa assinalar que a inversão do ônus da prova em favor do empregado decorre dos próprios efeitos nefastos que advêm do acometimento de qualquer doença grave que cause estigma ou preconceito, a impactar negativamente a relação de emprego, mormente no tocante à produtividade do empregado, em virtude da fragilidade física e emocional que contamina o seu desempenho profissional em tais condições. 5. Daí por que, exceto mediante prova robusta em sentido contrário, a aplicação das regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (artigo 375 do CPC de 2015) permite inferir, nesse particular, a conduta patronal discriminatória presente no ato de dispensa de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito. 6. Esta Corte superior firmou entendimento no sentido de que, no caso de empregado portador de esquizofrenia, há presunção relativa de que a dispensa, nessas condições, revela-se discriminatória, a menos que reste expressamente evidenciada pela Instância da prova a existência de motivação lícita e plausível do empregador para justificar a ruptura do liame empregatício. Precedentes. 7. No presente caso, o Tribunal Regional, a partir do exame do quadro fático-probatório revelado nos autos, considerou discriminatória a dispensa do reclamante, ante a constatação de que ” a reclamada demitiu o autor, após ele retornar de sua licença médica, mesmo necessitando do seu serviço, tendo substituído-o por outro “. Assim, ante a ausência de prova robusta no sentido de que a dispensa do obreiro não foi discriminatória, constata-se que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior. 8 . Agravo de Instrumento a que se nega provimento.
AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELA RECLAMADA.
AGRAVO INTERNO. DEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Considerando o julgamento do mérito do presente Agravo de Instrumento e o fato de que os efeitos da tutela de urgência persistem até o julgamento do recurso principal, resulta prejudicado o exame do Agravo Interno interposto pela reclamada, em face da decisão por meio da qual fora indeferida a concessão de efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento.
A decisão foi unânime.
Processo: Ag-AIRR-1002-77.2019.5.22.0106