A 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF manteve a sentença que condenou a Uber do Brasil Tecnologia a indenizar um consumidor por não entregar a encomenda no destino final. O colegiado observou que, no caso, a falha na prestação do serviço, além de gerar insegurança, ultrapassa o mero aborrecimento.
Consta no processo que o autor contratou o serviço da Uber para que fosse entregue, no dia dos namorados, uma cesta de café da manhã para a namorada. De acordo com o autor, a encomenda não foi entregue no endereço informado. Pede, além da devolução do valor pago pela cesta e pela corrida, a condenação da ré pelos danos morais.
Em 1ª instância, a empresa foi condenada a indenizar o autor pelos danos materiais e morais. No recurso, a Uber argumenta que não pode ser responsabilizada, uma vez que faz a intermediação entre usuários e motoristas. Afirma ainda que, após contato do autor, orientou a motorista sobre os meios para efetuar a devolução da cesta. Defende que houve culpa do consumidor ou do motorista.
Ao analisar o recurso, a Turma explicou que a Uber faz parte da cadeia de consumo como fornecedora de serviço de transporte de pessoas e bens e que deve ser responsabilizada. O colegiado observou que, “depreende-se das provas dos autos que o produto foi extraviado pela motorista”.
No caso, segundo a Turma, deve ser reconhecida a falha na prestação do serviço, uma vez que a ré “não prestou um bom atendimento ao consumidor quando a cesta de café da manhã não chegou ao destino final”. “E, especialmente, quando não envidou todos os esforços necessários para solucionar o problema causado pela motorista, pois, o autor comprovou que procurou a plataforma para solucionar o problema e essa nada fez. No caso, de acordo com o colegiado, “uma mensagem encaminhada à motorista para que disponibilizasse seu número de telefone não é o bastante para excluir a culpa da plataforma ré”, registrou.
De acordo com o colegiado, a falha na prestação de serviço “causa insegurança no consumidor e gera quebra de confiança depositada pelo usuário no aplicativo”. Assim, a Turma manteve a sentença que condenou a ré a pagar a quantia de R$ 2 mil a título de indenização por danos morais. A Uber terá ainda que restituir o valor de R$ 307,98.
O recurso ficou assim ementado:
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADA. APLICATIVO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS E BENS. UBER. ENCOMENDA NÃO ENTREGUE NO DESTINO. RESPONSABILIDADE DA PLATAFORMA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MATERIAL CONFIGURADO. DANO MORAL. CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
- Trata-se de recurso interposto contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial para: a) condenar a requerida a restituir à autora o valor de R$ 307,98 e b) condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 2.000,00. Em suas razões, a parte ré/recorrente argui preliminar de ilegitimidade passiva, pois atua exclusivamente como intermediadora entre os usuários, motoristas ou solicitantes de viagens, de modo que não gerencia o serviço contratado e alega que possui vinculação direta apenas com questões relacionadas à plataforma. No mérito, alega que a motorista compareceu ao local indicado pela parte autora para efetuar a entrega e que o endereço descrito no aplicativo difere da localidade indicada pelo recorrido na inicial. Sustenta que entrou em contato com a motorista a fim de informar o relato do recorrido e indicou meios a serem combinados para devolução do item. Alega a ausência dos requisitos da responsabilidade civil aptos a ensejar indenização e que a culpa é exclusiva da motorista ou do recorrido.
- Recurso próprio, tempestivo e com preparo regular (ID 34317298). Não foram oferecidas contrarrazões.
III. Segundo a Teoria da Asserção, as condições da ação devem ser analisadas pelos fatos narrados. No caso, a responsabilidade da recorrente é matéria de mérito e será analisada no momento adequado. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada.
- A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/1990). A parte recorrente aufere lucro pela disponibilização da plataforma digital, bem como aufere rendimentos pelas corridas realizadas, compondo, portanto, a cadeia de consumo como fornecedora de serviço de transporte de pessoas e bens. Por outro lado, o usuário solicitante, insere-se na cadeia de consumo como consumidor.
- Extrai-se dos autos que a parte autora contratou os serviços da recorrente no dia 12/06/2021 para entregar uma cesta de café da manhã para sua namorada, contudo, a motorista do aplicativo réu não chegou ao destino final e o objeto não foi entregue.
- Em que pesem as alegações da recorrente, o autor comprovou, por meio de print da tela do aplicativo réu, o endereço para o qual a cesta foi endereçada e este endereço não coincide com o endereço informado pelo recorrente como sendo o endereço no qual o objeto foi entregue. Não se trata de mera alegação do autor, mas de documento que comprova o alegado. Lado outro, a ré não comprova que o endereço no qual foi entregue foi o endereço inserido pelo autor. Assim, depreende-se das provas dos autos que o produto foi extraviado pela motorista.
VII. É imperioso reconhecer a falha na prestação do serviço pela recorrente, porquanto não prestou um bom atendimento ao consumidor quando a cesta de café da manhã não chegou ao destino final. E, especialmente, quando não envidou todos os esforços necessários para solucionar o problema causado pela motorista, pois, o autor comprovou que procurou a plataforma para solucionar o problema e essa nada fez. Uma mensagem encaminhada à motorista para que disponibilizasse seu número de telefone, não é o bastante para excluir a culpa da plataforma ré, a teor do art. 14, §3º, do CDC.
VIII. Assim, correta a sentença que determinou o ressarcimento do autor pelo valor pago na cesta de café da manhã e o valor pago pela corrida.
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Quanto aos danos morais, é certo que a falha na prestação do serviço pela recorrente causa insegurança no consumidor e gera quebra de confiança depositada pelo usuário no aplicativo, sendo o fato narrado nos autos apto a gerar danos morais indenizáveis, haja vista que ultrapassam os limites do mero aborrecimento cotidiano. Desse modo, o valor fixado de R$ 2.000,00 observa os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o dano e a sua extensão, a situação do ofendido e a capacidade econômica do ofensor, sem que se descure da vedação ao enriquecimento ilícito, e deve ser mantido.
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PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Sentença mantida. Condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões.
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A ementa servirá de acórdão, conforme art. 46 da Lei n. 9.099/95.
A decisão foi unânime.
Acesse o PJe2 e saiba mais sobre o processo: 0701931-30.2021.8.07.0021