A alienação das carteiras de plano de saúde é possível e legítima, desde que a nova operadora mantenha as mesmas condições contratuais vigentes à data da transferência e a mesma rede de serviços credenciados, sem restringir direitos ou causar prejuízos aos beneficiários.
O entendimento unânime foi proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps) contra a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Golden Cross Internacional de Saúde Ltda. e a Unimed Rio Cooperativa de Trabalho Médico do Rio de Janeiro Ltda.
De acordo com a turma, a transferência durante a vigência do contrato exige que a substituição seja feita por estabelecimento equivalente, que haja comunicação à ANS e aos consumidores com no mínimo 30 dias de antecedência e que seja mantida eventual internação de beneficiário iniciada antes da substituição.
A associação ajuizou ação civil pública na qual alegou que a transferência de carteiras dos contratos de plano de saúde ocorrida entre a Golden Cross e a Unimed Rio, autorizada pela ANS, não manteve a mesma rede credenciada de profissionais, hospitais, clínicas, laboratórios e afins para o atendimento dos usuários.
Relatou casos de associados em tratamento de doenças graves que, após a transferência, não conseguiram atendimento em hospitais ou clínicas; de usuários que não foram devidamente comunicados das alterações promovidas e de outros que, embora comunicados, não receberam as carteiras de identificação necessárias para atendimento na rede conveniada.
Requereu que a Unimed Rio mantivesse a rede credenciada prestada pela Golden Cross ou, caso não atendida essa determinação, que fosse cancelada a transferência de carteiras.
Condições
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que não ficaram demonstrados nem a diminuição da rede credenciada, nem os prejuízos aos consumidores, razão pela qual considerou lícita a transação.
A associação apresentou recurso no STJ. O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso, afirmou que as operadoras de plano de saúde que pretendam transferir voluntariamente suas carteiras devem formular requerimento, instruindo-o com a documentação exigida, perante a ANS, que poderá aprovar a transferência de carteiras.
Bellizze lembrou que devem ser observados os procedimentos estabelecidos pelas normas editadas pela ANS, sobretudo o disposto na Resolução Normativa 112/2005, que exige que a nova operadora mantenha as mesmas condições contratuais vigentes em relação aos beneficiários, sem lhes restringir direitos ou causar-lhes prejuízos.
O relator esclareceu que, em regra, também deve ser mantida a mesma rede de serviços credenciados que a operadora alienante oferecia à época da transferência de carteiras, somente sendo autorizada sua alteração se forem observadas as diretrizes estabelecidas no artigo 17 da Lei 9.656/98, em observância ao princípio da boa-fé objetiva e à proteção das legítimas expectativas do consumidor.
Acompanhando o voto do ministro, a turma entendeu que a transferência das carteiras da Golden Cross atendeu as exigências legais e que as violações aos direitos dos consumidores citadas pela associação deveriam ser analisadas caso a caso, em ações individuais, “com largo lastro probatório”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE DE EXAME NO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RECURSO NÃO CONHECIDO NESSA PARTE. MÉRITO: PLANO DE SAÚDE. ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA DE CARTEIRAS. PROCEDIMENTO REGULADO PELA RESOLUÇÃO NORMATIVA 112⁄2005, DA ANS. MANUTENÇÃO PELA OPERADORA ADQUIRENTE DOS PRESTADORES DE SERVIÇO CREDENCIADOS PELA ALIENANTE. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS NO ART. 17 DA LEI 9.656⁄1998. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO.1. As operadoras de plano de saúde que pretendam alienar, voluntariamente, todas ou algumas de suas carteiras devem, observados os procedimentos estabelecidos pelas normas editadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, sobretudo o disposto na Resolução Normativa n. 112⁄2005, formular requerimento, instruindo-o com a documentação exigida, perante a ANS, que, analisando o preenchimento dos requisitos necessários, poderá aprovar a transferência de carteiras. Após a aprovação, a operadora adquirente deve notificar todos os beneficiários que possuam contratos na carteira alienada por meio de comunicação individual e de publicação na imprensa.2. A Resolução Normativa n. 112⁄2005, editada pela ANS, exige, na alienação voluntária de carteiras de plano de saúde, que a nova operadora mantenha em relação aos beneficiários da carteira transferida as mesmas condições contratuais vigentes, sem lhes restringir direitos ou causar-lhes prejuízos (art. 4º, caput). Visa, com isso, a resguardar o direito do consumidor de ter mantido, nos mesmos termos em que ajustado originariamente, o contrato que celebrou com a operadora alienante da carteira de plano de saúde da qual faz parte.3. O art. 4º, caput e § 2º, da aludida resolução normativa estabelece que, em regra, deve ser mantida a mesma rede de serviços de assistência à saúde credenciados, referenciados ou contratados que a operadora alienante oferecia à época da transferência de carteiras, somente autorizando sua alteração se forem observadas as diretrizes estabelecidas no art. 17 da Lei 9.656⁄1998.4. Em observância ao princípio da boa-fé objetiva e visando à proteção das legítimas expectativas do consumidor quanto à qualidade, à quantidade, à localização, entre outros critérios, dos serviços prestados pela operadora de plano de saúde no momento da contratação, tanto a operadora originariamente contratada pelo consumidor, por força do art. 17 da Lei 9.656⁄1998, como a nova operadora adquirente das carteiras alienadas, com base no disposto no art. 4º, § 2º, da RN 112⁄2005-ANS, devem respeitar a regra de manutenção, durante a vigência dos contratos celebrados com os beneficiários, dos prestadores de serviço de saúde já credenciados, referenciados ou contratados.5. A substituição do prestador de serviço de saúde em sentido amplo (incluindo hospitais, clínicas, profissionais de saúde, laboratórios e serviços correlatos), durante a vigência do contrato de plano de assistência à saúde, é legítima e possível, mas desde que observadas as seguintes condições: (I) substituição por profissional ou estabelecimento equivalente (art. 17, § 1º, da Lei 9.656⁄1998); (II) comunicação à ANS e aos consumidores com, no mínimo, trinta dias de antecedência (art. 17, § 1º, da Lei 9.656⁄1998); e (III) manutenção de eventual internação de beneficiário iniciada antes da substituição (art. 17, § 2º, da Lei 9.656⁄1998). Tais requisitos devem ser observados tanto pelas operadoras de plano de saúde originariamente contratadas pelo consumidor como pelas operadoras adquirentes de carteiras alienadas (art. 4º, § 2º, da RN n. 112⁄2005-ANS).6. No caso concreto, segundo informações colhidas pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise do conjunto fático-probatório dos autos, foram observados todos os requisitos exigidos pelos arts. 17, § 1º, da Lei n. 9.656⁄1998 e 4º da RN 112⁄2005 para a substituição dos prestadores de serviços de saúde que faziam parte da rede credenciada à Golden Cross, ocorrida em razão da alienação das carteiras individual e familiar à Unimed Rio.7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.
Leia o acórdão.