Invocando o princípio da subsidiariedade e enfatizando que sua decisão está passível de revisão em posterior exame, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminares em Mandados de Segurança (MS 28799, 28801 e 28802) aos juízes Graciema Ribeiro das Caravellas, Antonio Horácio da Silva Neto e Juanita Cruz da Silva Clait Duarte e suspendeu os efeitos das aposentadorias compulsórias a bem do serviço público (punição máxima imposta à magistratura) que foram aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aos magistrados.
A punição decorreu de processo administrativo disciplinar em que o CNJ concluiu ter sido criado um esquema de desvio de verbas públicas para socorrer a Loja Maçônica de Mato Grosso, presidida pelo desembargador presidente do Tribunal de Justiça do estado. Magistrados escolhidos pelo presidente do TJ receberam dinheiro, a título de atrasados, e fizeram empréstimos à Maçonaria.
Embora reconheça a possibilidade constitucional de o CNJ instaurar, em sede originária, procedimentos disciplinares contra magistrados locais, além da prerrogativa, também constitucional, de avocar procedimentos de natureza administrativo-disciplinar, o ministro Celso de Mello enfatizou que a atuação do Conselho deve observar o princípio da subsidiariedade, ou seja, o CNJ deve ter um papel subsidiário e complementar em relação aos tribunais, atuando somente quando constatada a ineficácia dos mecanismos ordinários de administração e repressão do Poder Judiciário local.
De acordo com o ministro, apenas depois de esgotada a possibilidade de o próprio tribunal exercer sua competência disciplinar e correicional sem sucesso é que o CNJ estaria legitimado a atuar. Somente desta maneira, segundo o ministro Celso de Mello, será possível harmonizar o convívio entre o autogoverno da magistratura e o poder de controle e fiscalização do CNJ.
“O desempenho da atividade fiscalizadora (e eventualmente punitiva) do CNJ deveria ocorrer somente nos casos em que os Tribunais – havendo tido a possibilidade de exercerem, eles próprios, a competência disciplinar e correicional de que se acham ordinariamente investidos – deixassem de fazê-lo (inércia) ou pretextassem fazê-lo (simulação) ou demonstrassem incapacidade de fazê-lo (falta de independência) ou, ainda, dentre outros comportamentos evasivos, protelassem, sem justa causa, o seu exercício (procrastinação indevida). Dessa maneira, a incidência do postulado da subsidiariedade, como requisito legitimador da prática concreta, pelo CNJ, de uma competência complementar em matéria correicional, disciplinar e/ou administrativa, não só harmonizaria o exercício dessa jurisdição censória com o princípio da autonomia institucional dos tribunais, como conferiria, também, maior coeficiente de legitimidade jurídica à atuação desse órgão estatal”, afirmou o ministro em sua decisão.
Celso de Mello acrescentou que, no caso específico, ao ativar a jurisdição censória do CNJ, o corregedor-geral da Justiça do estado do Mato Grosso impossibilitou a adoção pelo TJ-MT de medidas destinadas a promover, em sede disciplinar, a responsabilidade funcional dos magistrados supostamente envolvidos em atos alegadamente ilícitos. O corregedor remeteu ao CNJ relatório de procedimento investigatório criminal, observando que os fatos investigados envolviam desembargadores e juízes “com notório prestígio e influência”, o que comprometia seriamente a imparcialidade dos membros do TJ para julgá-los no âmbito administrativo. No caso em questão, não foi aberto no TJ o procedimento para decretação da perda do cargo (previsto no artigo 27 da Loman), motivo pela qual o corregedor solicitou que o processo tramitasse no CNJ, “a salvo de quaisquer influências ou simpatias”.
“Na verdade, o corregedor-geral da Justiça, ao submeter, desde logo, ao CNJ, proposta de apuração de supostas irregularidades alegadamente cometidas por magistrados locais, teria frustrado a possibilidade de o tribunal atuar, inclusive com a ativa participação do próprio senhor corregedor-geral, como instância ordinária de apuração (e de julgamento administrativo) de eventuais ilícitos disciplinares cometidos por autoridades judiciária do estado do Mato Grosso. Ao precipitar a atuação do CNJ, sem sequer haver ensejado ao TJ-MT o exercício de sua competência correicional em sede disciplinar, o corregedor teria, aparentemente, inviabilizado a prática, pelo Judiciário local, de uma prerrogativa que não lhe poderia ter sido subtraída, o que teria implicado, por efeito da inobservância do postulado da subsidiariedade, transgressão à autonomia institucional do Tribunal de Justiça daquela unidade da Federação”, enfatizou o ministro do STF.
Leia a íntegra da decisão do ministro no MS 28801.
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