Reclamação por descumprimento de IAC não exige esgotamento das instâncias ordinárias

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que não se exige o esgotamento das instâncias ordinárias como pressuposto para o conhecimento da reclamação fundamentada em descumprimento de acórdão prolatado em Incidente de Assunção de Competência (IAC).

O entendimento foi adotado na análise de reclamação na qual a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) apontou possível descumprimento, pelo juízo da 2ª Vara Cível Federal de Goiânia, do acórdão proferido pelo STJ no IAC 5 (REsp 1.799.343).

A reclamante sustentou que o juízo teria se equivocado ao afastar a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação em que um grupo de ex-funcionários aposentados questiona a validade de acordo coletivo que alterou os benefícios de auxílio à saúde fornecidos anteriormente na modalidade autogestão – hipótese que se amoldaria exatamente à exceção prevista no IAC 5.

Por seu lado, os aposentados, além de defenderem a continuação do processamento da ação na Justiça Federal, alegaram não caber a reclamação, visto que não houve esgotamento da instância ordinária, conforme estaria regulado no artigo 988, parágrafo 5º, II, do Código de Processo Civil (CPC/2015).

Segundo o enunciado do IAC 5, compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for regulado em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador.

Esgotamento de instância é exigido na reclamação para preservação da competência do STJ

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, nas reclamações direcionadas ao STJ, o exaurimento das instâncias ordinárias somente constitui pressuposto de conhecimento quando a demanda é proposta com a finalidade de preservar a competência do tribunal, conforme os artigos 988 do CPC/2015 e 187 do Regimento Interno do tribunal (RISTJ), mas esse não era o caso analisado, no qual se discutia o descumprimento de IAC.

Bellizze ponderou que, ao contrário do entendimento do juízo federal de Goiânia, a superveniência de sentença na ação originária, ainda que substitutiva da decisão interlocutória reclamada, não acarreta a perda ulterior de objeto da reclamação quando a controvérsia reside na análise da competência do juízo.

“Trata-se de preliminar cujo exame precede ao de mérito, sendo que o resultado da reclamação influi diretamente no julgamento do feito, possuindo o condão, inclusive, de invalidar a sentença em razão da incompetência do juízo sentenciante”, disse o ministro.

A hipótese dos autos se amolda ao definido pelo IAC 5/STJ

Quanto ao caso em discussão, o relator salientou que a pretensão dos aposentados era a manutenção das regras do benefício de saúde anterior, concedido mediante acordo coletivo de trabalho e oferecido por plano na modalidade autogestão, sobretudo em virtude de supostas ilegalidades constantes do auxílio à saúde que entraria em vigor na época do ajuizamento da ação, em decorrência do novo acordo.

“Estando os pedidos da ação originária estritamente vinculados a acordos coletivos de trabalho, com pedido primordial de restabelecimento do regramento anterior do benefício de plano de saúde de autogestão – fornecido pela empregadora mediante acordo coletivo de trabalho –, sobressai competente a Justiça do Trabalho para o julgamento da demanda, tal como definido no IAC 5 do STJ”, afirmou Bellizze.

O ministro concluiu ainda que o fato de o novo auxílio à saúde, fornecido mediante indenização pela Infraero, ter entrado em vigência logo após a propositura da ação originária não desnatura a causa de pedir e o pedido formulado pelos autores – o qual é claro a respeito da pretensão de manutenção do regramento relativo ao sistema de autogestão.

O recurso ficou assim ementado:

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. INOBSERVÂNCIA A ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. DESNECESSIDADE. DECISÃO RECLAMADA SUBSTITUÍDA POR SUPERVENIENTE SENTENÇA. PERDA DE OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DO REGRAMENTO DE BENEFÍCIO DE SAÚDE PREVISTO EM ACORDO COLETIVO DE TRABALHO ANTECEDENTE. MODALIDADE AUTOGESTÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. IAC N. 5 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO.
1. O objeto da presente demanda consiste em definir se o Juízo reclamado descumpriu acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no Incidente de Assunção de Competência n. 5 (REsp n. 1.799.343⁄SP), ao afastar a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da ação proposta pelos ora interessados, em que a discussão ressoa na validade de Acordo Coletivo de Trabalho – ACT que alterou os benefícios relativos a auxílio à saúde fornecido anteriormente na modalidade autogestão.
2. Nas reclamações direcionadas a este Tribunal Superior, o exaurimento das instâncias ordinárias constitui pressuposto ao seu conhecimento apenas quando proposta com a finalidade de preservar a competência do Tribunal, nos termos do que se depreende dos arts. 988 do CPC⁄2015 e 187 do RISTJ.
3. A superveniência de sentença, ainda que substitutiva da decisão interlocutória reclamada, não acarreta a perda ulterior de objeto da reclamação cuja controvérsia reside na análise da competência do Juízo reclamado, pois, tratando-se de questão preliminar cujo exame precede ao de mérito, o resultado da reclamação influi diretamente no julgamento do feito, possuindo o condão de invalidar a sentença em razão da incompetência do Juízo sentenciante.
4. A tese vinculante do Superior Tribunal de Justiça relativa ao IAC n. 5 (REsp n. 1.799.343⁄SP), indicada pela reclamante como descumprida pelo Juízo reclamado, está assim redigida: “compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for regulado em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador”.
5. Na hipótese, da análise da petição inicial da ação originária, verifica-se que a pretensão precípua dos autores (aposentados da reclamante) é a manutenção do regramento do benefício de saúde anterior concedido mediante Acordo Coletivo de Trabalho e oferecido através de plano na modalidade autogestão, sobretudo em virtude de supostas ilegalidades constantes do auxílio à saúde que entraria em vigor à época do ajuizamento da ação, em decorrência do novo Acordo Coletivo de Trabalho.
6. O fato de o auxílio à saúde – fornecido mediante indenização pela reclamante – ter entrado em vigência logo após a propositura da demanda originária não desnatura todo o conjunto petitório (causa de pedir e pedido) formulado pelos autores, que é hialino a respeito da pretensão, notadamente, de manutenção do regramento relativo ao sistema de autogestão, o qual é utilizado, inclusive, como parâmetro para aventar a ilegalidade do método estabelecido no novo ACT.
7. Portanto, estando os pedidos da ação originária estritamente vinculados a acordos coletivos de trabalho, com pedido primordial de restabelecimento do regramento anterior do benefício de plano de saúde de autogestão – fornecido pela empregadora mediante ACT –, sobressai competente a Justiça do Trabalho para o julgamento da demanda, tal como definido no IAC n. 5 do Superior Tribunal de Justiça.
8. Reclamação julgada procedente.

Leia o acordão na Rcl 40.617.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): Rcl 40617

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