A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que uma companhia seguradora deve pagar o ressarcimento dos valores para o custeio da reforma de um imóvel residencial acometido por vícios de construção. A decisão também condenou a seguradora ao pagamento de aluguel no valor de R$ 1.200,00 reais ao dono do imóvel. A decisão do Colegiado foi unânime ao dar parcial provimento à apelação de um mutuário do Sistema Financeiro de Habitação que recebeu negativa da seguradora após sinistro na estrutura no imóvel.
Na apelação, o mutuário alegou que a cobertura securitária por vícios de construção é objeto de contrato de seguro firmado pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, com vistoria pela Caixa Econômica Federal (CEF), no imóvel, em momento anterior à liberação do respectivo financiamento.
O analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Rafael Paulo Soares Pinto, constatou que a perícia realizada no imóvel comprovou como causa principal dos danos existentes a má execução da construção, vícios construtivos e intempéries do tempo que agravam os danos existentes. Além disso, o laudo pericial atestou que o mutuário desistiu de fazer manutenção na obra, a partir do momento em que foi constatado o sinistro, pois não se tratava mais de manutenções viáveis e sim de reparos para reestabelecer o equilíbrio da estrutura, já que os problemas eram permanentes e progressivos.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – SFH. CONTRATO DE SEGURO ADJETO A FINANCIAMENTO HABITACIONAL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. NEGATIVA DE COBERTURA SECURITÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. SUPERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. REFORMA DA SENTENÇA. DANOS MORAIS: NÃO CABIMENTO. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO.
I – Deve ser conhecido o agravo retido, uma vez que, em contrarrazões, foi pleiteada sua apreciação, a teor o art. 523, § 2º, do CPC/1973, pela Sul América Companhia de Seguros, contra decisão que afastou a prescrição da pretensa cobrança intentada pela parte autora, em vista da aplicação do prazo anual previsto no art. 206, § 1º, II, do Código Civil.
II – Nos casos em que o mutuário do Sistema Financeiro de Habitação insurge-se contra a seguradora, buscando cobertura por sinistro em imóvel objeto de contrato de financiamento imobiliário, o prazo prescricional aplicável é o anual, inscrito nos arts. 206, § 1º, II, da Lei 10.406/2002 e/ou 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916, tendo como termo inicial para contagem do prazo anual a data da ciência inequívoca da negativa de cobertura pela seguradora.
III – “Quando não for possível comprovar a data em que os segurados tomaram conhecimento dos vícios na estrutura de imóvel adquirido por intermédio de contrato vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, o termo inicial do prazo prescricional para o recebimento de indenização securitária é o momento em que eles comunicam o fato à seguradora e esta se recusa a indenizar. Precedentes.” (REsp 1773822/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019)
IV – Hipótese em que a controvérsia cinge-se à existência de responsabilidade civil, no contexto em que a Sul América Companhia de Seguros procedeu à negativa de cobertura securitária por vícios de construção, em imóvel – objeto de contrato de seguro adjeto a financiamento habitacional, firmado pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação – que fora vistoriado pela Caixa em momento anterior à liberação do respectivo financiamento.
V – Havia entendimento jurisprudencial assentado na orientação de ausência de responsabilidade, por eventuais vícios de construção, nas hipóteses de financiamento habitacional, firmado pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, em que o imóvel objeto da compra e venda, já estivesse construído, assim como na orientação de inexistência de abusividade da cláusula contratual que excluísse, expressamente, a cobertura securitária por danos, ocorridos no imóvel, decorrentes de vícios de construção, motivo pelo qual não subsistia o dever de indenização.
VI – No entanto, a orientação jurisprudencial sofreu alteração de entendimento, vindo a ocorrer o chamado ‘overruling’, uma vez que foi superada tese, até então assente, de que não havia abusividade na cláusula que afastava a cobertura securitária por vícios de construção, nos contratos de seguro vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH.
VII – “… conclui-se, à luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional obrigatório, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a conclusão do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua extinção (vício oculto). Nesse sentido, é o entendimento mais recente da terceira Turma: REsp 1.804.965, julgado em 24/09/2019, pendente de publicação; REsp 1.717.112/RN, julgado em 25/09/2018, DJe 11/10/2018; EDcl no AgInt no REsp 1.561.601/SP, julgado em 02/09/2019, DJe 05/09/2019; AgInt no AREsp 1.171.213/PR, julgado em 01/07/2019, DJe 06/08/2019.” (REsp 1837372/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019.)
VIII – “No âmbito do SFH, o seguro habitacional ganha conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, tratando-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema. 8. A interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre o prédio.” (REsp 1837372/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019)
IX – “Incompatibilidade com os fins sociais do seguro obrigatório habitacional, voltado a coadjuvar um sistema pensado na aquisição da casa própria para a população, notadamente de baixa renda, que os principais vícios que acometam o bem objeto de garantia do financiamento não estejam por ele cobertos. (EDcl no AgInt no REsp 1561601/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2019, DJe 05/09/2019)
X – Na hipótese, constatou a perícia, como causa principal dos danos existentes, a “má execução da construção, vícios construtivos e intempéries do tempo que agravam os danos existentes”, bem como que “as manutenções do imóvel estavam sendo feitas, porém deixaram de ser realizadas pelo mutuário a partir do momento em que foi constatado o sinistro, pois não se tratava mais de manutenções viáveis e sim reparos para reestabelecer o equilíbrio da estrutura, já que os problemas eram permanentes e progressivos.”
XI – Do exame ao contexto dos fatos, fica descaracterizada a responsabilidade por danos morais, uma vez que a negativa de cobertura securitária por vícios de construção ocorreu num contexto jurisprudencial que abrangia tal entendimento, não se podendo, por isso, condenar a seguradora pelo ato, uma vez que encontrava respaldo na orientação jurisprudencial.
XII – Quanto aos danos materiais, deve a seguradora ser condenada ao pagamento dos aluguéis, conforme requerido, desde o momento em que houve a revogação dos efeitos da tutela que concedera tal pleito, no valor corrigido de R$1.200,00 (um mil e duzentos reais) mensais, assim como deve ser condenada a seguradora ao ressarcimento dos valores pagos para o custeio da reforma do imóvel residencial acometido pelos vícios de construção, de acordo com a apuração a ser feita na liquidação de sentença.
XIII – Agravo Retido oposto pela Sul América Companhia de Seguros a que se nega provimento. Apelação da parte autora a que se dá parcial provimento (itens XI e XII). Honorários de sucumbência cuja polaridade se inverte, em favor da parte autora/mutuária.
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Processo 0003178-82.2012.4.01.3811