Cobrança de taxa por associação de moradores antes da lei sobre a questão é inconstitucional

Prevaleceu na Corte o entendimento de que a cobrança de taxas, em loteamento urbano, de proprietário de não associado ofende o direto à livre associação.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as associações de moradores de loteamentos urbanos não podem cobrar taxa de manutenção e conservação de proprietários não associados antes da Lei federal 13.465/2017 ou de anterior lei local que discipline a questão. A decisão, por maioria de votos, foi proferida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 695911, com repercussão geral (Tema 492), na sessão virtual encerrada em 18/12.
Direito à livre associação
O recurso foi interposto por uma moradora de um loteamento em Mairinque (SP) contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que considerou legítima a cobrança, pela associação, de taxas de manutenção e conservação, mesmo de proprietário não-associado. Segundo o TJ-SP, o trabalho da entidade resulta em acréscimo patrimonial que beneficia os proprietários de lotes, e a não contribuição constituiria enriquecimento ilícito.
No STF, a moradora alegava que se tratava de loteamento urbano com vias públicas, e não de loteamento fechado ou condomínio. Argumentava, ainda, que não ficou comprovada a valorização dos terrenos e que, como não se beneficiava dos serviços oferecidos, estaria havendo enriquecimento ilícito da associação.
Imposição da vontade
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Dias Toffoli, observou que, sem uma lei nesse sentido, admitir a exigência do pagamento de taxas ou encargos em razão dos serviços prestados por uma associação de quem não quer se associar significaria, na prática, obrigar o indivíduo a se associar por imposição da vontade coletiva daqueles que, expressamente, concordaram com a associação e seus encargos.
Marco temporal
Toffoli destacou que a edição da Lei 13.465/2017 instaurou um marco temporal, em âmbito nacional, para a definição da responsabilidade de cotização pelos titulares de direitos sobre lotes. A norma alterou a Lei de Parcelamento do Solo (Lei 6.766/1979) e instituiu a relação obrigacional entre titulares e administradora de imóveis situados nos loteamentos de acesso controlado (antes chamados de loteamentos fechados regulares), desde que estejam previstos em seus atos constitutivos a normatização e a disciplina neles adotadas.
De acordo com o ministro, houve clara intenção do legislador de favorecer a regularização fundiária dessa configuração de lotes, para reconhecer uma formatação que, na prática, já vinha sendo observada (controle de acesso ao loteamento) ou para permitir vincular os titulares de direitos sobre os lotes à cotização (artigo 36-A, caput e parágrafo único).
O relator salientou que, como os municípios têm competência concorrente para legislar sobre uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, é necessário levar em consideração, para a resolução da controvérsia, a possibilidade de que eventuais leis locais já definissem obrigação semelhante. O voto do relator pelo provimento do recurso foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Nunes Marques. O ministro Marco também deu provimento ao recurso, mas fixava tese nos termos de seu voto.
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei 13.465/2017, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos titulares de direitos sobre lotes em loteamentos de acesso controlado, que: (i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis”.
Caso concreto
No caso dos autos, foi dado provimento ao recurso extraordinário para permitir o prosseguimento do julgamento pelo TJ-SP, observando a tese fixada pelo STF. O relator explicou que, como existem questões de fato a serem levadas em consideração, como a eventual existência de lei local sobre a matéria, é necessária apreciação da questão pela instância de origem.
O recurso ficou assim ementado:
Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Liberdade associativa. Cobrança de taxas de manutenção e conservação de áreas de loteamento. Ausência de lei ou vontade das partes. Inconstitucionalidade. Lei nº 13.467/17. Marco temporal. Recurso extraordinário provido. Fatos e provas. Remessa dos autos ao tribunal de origem para a continuidade do julgamento, com observância da tese. 1. Considerando-se os princípios da legalidade, da autonomia de vontade e da liberdade de associação, não cabe a associação, a pretexto de evitar vantagem sem causa, impor mensalidade a morador ou a proprietário de imóvel que não tenha a ela se associado (RE nº 432.106/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 3/11/11). 2. Na ausência de lei, as associações de moradores de loteamentos surgiam apenas da vontade de titulares de direitos sobre lotes e, nesse passo, obrigações decorrentes do vínculo associativo só podiam ser impostas àqueles que fossem associados e enquanto perdurasse tal vínculo. 3. A edição da Lei nº 13.465/17 representa um marco temporal para o tratamento da controvérsia em questão por,.dentre outras modificações a que submeteu a Lei nº 6.766/79, ter alterado a redação do art. 36-A, parágrafo único, desse diploma legal, o qual passou a prever que os atos constitutivos da associação de imóveis em loteamentos e as obrigações deles decorrentes vinculam tanto os já titulares de direitos sobre lotes que anuíram com sua constituição quanto os novos adquirentes de imóveis se a tais atos e obrigações for conferida publicidade por meio de averbação no competente registro do imóvel. 4. É admitido ao município editar lei que disponha sobre forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, bem como que trate da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados (RE nº 607.940/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 26/2/16). 5. Recurso extraordinário provido, permitindo-se o prosseguimento do julgamento pelo tribunal de origem, observada a tese fixada nos autos: “É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17 ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir do qual se torna possível a cotização de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, desde que, i) já possuidores de lotes, tenham aderido ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou, (ii) no caso de novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação tenha sido registrado no competente registro de imóveis”.
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