Habeas Corpus não é adequado a cidadãos que queiram optar pelo cultivo doméstico de Cannabis para fins medicinais

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à remessa oficial e não conheceu de habeas corpus impetrado por cidadão portador de retinose pigmentar, doença que afeta a visão e possui efeitos progressivos, e que faz tratamento medicinal com óleo de Cannabis Sativa, para importação e cultivo da planta.

Na sentença o Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Acre confirmou a liminar anteriormente concedida e a ordem de habeas corpus para o paciente, determinando que as autoridades coatoras — Diretor do Departamento de Polícia Federal do Estado do Acre, Secretário de Segurança Pública do Acre e Comandante de Polícia Militar do Estado do Acre — se abstenham de adotar medidas que possam ferir sua liberdade na ocasião da importação de sementes, suficientes para cultivo de 6 plantas para extração do óleo, com fins exclusivamente medicinais, sendo que tal cultivo poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e interrompido em caso de descumprimento. Também foi autorizado o transporte para realização de parametrização laboratorial, desde que comunicado à Polícia Federal com antecedência, pois é notório o risco de o paciente ser preso em flagrante pela prática de crimes previstos na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

O processo chegou ao Tribunal por meio de remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige que o juiz encaminhe o processo ao tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público. ¿

O relator, desembargador federal Cândido Ribeiro, ressaltou que o enfermo conseguiu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de produtos à base de Canabidiol (CBD). Todavia, em razão da burocracia, excessiva demora na entrega do medicamento e do alto custo, o homem almejava a concessão do salvo-conduto para importação e cultivo de sementes de Cannabis Sativa, visando a extração doméstica do óleo para tratamento da doença.

Porém, o magistrado esclareceu que a autorização pretendida neste habeas corpus configura tentativa de obter, por via oblíqua, o atendimento de questão que sequer foi suscitada perante os órgãos administrativos competentes, o que não pode ser admitido, pois a importação de sementes de cannabis e seu cultivo requerem autorização do órgão administrativo competente, cabendo a quem pretenda fazer a importação e cultivo requerer a permissão. Caso ocorra a negativa, abrir-se-ia a possibilidade de o Poder Judiciário decidir sobre eventual direito à pretendida importação e cultivo, porém, nessa hipótese, a questão seria resolvida na esfera cível e não na esfera criminal.

Assim, o desembargador federal entendeu que o habeas corpus não deve ser conhecido, pois a ação visa a garantir a importação e cultivo de sementes de Cannabis Sativa, direito que não é protegido pela via do habeas corpus, instrumento processual que se destina, de forma estrita, à proteção da liberdade de ir e vir.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. SALVO-CONDUTO. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA. CULTIVO DA PLANTA. FINS MEDICINAIS. TRATAMENTO TERAPÊUTICO DE EPILEPSIA REFRATÁRIA. MATÉRIA CÍVEL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. REMESSA OFICIAL PROVIDA. DESCONSTITUIÇÃO DA ORDEM CONCEDIDA.

I – A Lei nº 11.343/2006 instituiu no ordenamento jurídico brasileiro, entre outras finalidades, o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) e prescreveu medidas para a prevenção do uso indevido de entorpecentes, excetuando-se de suas proibições o plantio, cultura e colheita de vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas destinadas a finalidade medicinais ou científicas, mediante autorização e fiscalização estatal, conforme dispõe os arts. 2º, parágrafo único, e 31, da Norma Legal.

II – A importação de sementes de cannabis e seu cultivo requerem autorização do órgão administrativo competente, cabendo a quem pretenda fazer a importação e cultivo requerer, pelos meios adequados, a permissão. Caso ocorra a negativa do órgão administrativo competente, abrir-se-ia a possibilidade de o Poder Judiciário, uma vez provocado, decidir sobre eventual direito à pretendida importação e cultivo, porém, nessa hipótese, a questão seria resolvida na esfera cível e não na esfera criminal.

III – A importação e cultivo de sementes de Cannabis Sativa, não é direito protegido pela via do habeas corpus, instrumento processual que se destina, de forma estrita, à proteção da liberdade de ir e vir.

IV – Remessa oficial provida para não conhecer do habeas corpus e desconstituir a ordem concedida.

A decisão do colegiado foi unânime.

Processo 1000396-49.2019.4.01.3000

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