A 1ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) determinou, na sexta-feira (31/5), que a União regularize a distribuição e dispensação dos medicamentos para tratamento da Hepatite C no estado com o repasse integral dos quantitativos e de acordo com o cronograma. A juíza Graziela Cristine Bündchen fixou prazo de 90 dias e multa diária de R$ 5 mil na sentença.
Autor da ação, o Ministério Público Federal (MPF) alegou que alguns medicamentos, adquiridos de maneira centralizada pelo Ministério da Saúde, não estão sendo recebidos na quantidade suficiente para atender a demanda dos pacientes gaúchos aptos a iniciarem o tratamento. Afirmou ainda que, há três anos, não estão sendo cumpridos os prazos de remessa. Apontou, por fim, o prejuízo à saúde dos usuários do SUS e o incremento da judicialização da saúde e seu alto custo para o estado.
Em sua defesa, a União confirmou ser responsável pelo financiamento e aquisição dos medicamentos, os quais compõem o Grupo 1A do Componente Especializado. Sustentou que o Ministério da Saúde cumpre com suas obrigações legais e regulamentares.
Direito à saúde
Ao analisar o caso, a juíza federal substituta Graziela Cristine Bündchen pontuou que o objetivo desta ação civil pública “liga-se ao dever estatal, de natureza prestacional, de assegurar prestações que realizem o direito dos indivíduos na área da saúde, mais especificamente relativo à assistência farmacêutica”. Para ela, ficou demonstrada a forma ineficaz como o Ministério de Saúde está implementando a política pública por ele criada para enfrentamento da Hepatite C e Coinfecções.
“Nessa perspectiva, as razões expostas pelo Ministério da Saúde não servem de justificativa para o descumprimento dos prazos de remessas e quantitativos necessários dos medicamentos à SES/RS por lapso tão significativo de tempo, porquanto configuram violação ao princípio da legalidade que se impõe a toda Administração Pública, bem como ao direito constitucional à saúde garantido aos cidadãos. Tal conduta afronta, ainda, a dignidade da pessoa humana, na medida em que submete os pacientes que dependem do tratamento fornecido pelo SUS demasiado sofrimento, impondo-lhes angustiante espera e agravamento de sua enfermidade, ensejando, também, lesão à sua integridade psicofísica”, destacou.
A magistrada ainda apontou a violação ao princípio da eficiência administrativa, já que o descumprimento do cronograma previsto para distribuição dos medicamentos resulta, além do aumento da lista de pacientes à espera de tratamento, no desperdício de remédios de alto custo. “Conforme amplamente divulgado pela imprensa nacional no início deste ano, milhares de pessoas em todo o Brasil foram privadas do tratamento da Hepatite C, pois, enquanto se aguardava pela entrega do daclatasvir, ocorreu o vencimento do sofosbuvir, sendo que o tratamento não pode ser iniciado com apenas um dos medicamentos, tampouco interrompido após seu início dado o risco de agravamento da enfermidade”, ressaltou.
Graziela levantou outro importante aspecto presente na demanda. “Muito além da indesejável judicialização do cumprimento de políticas públicas de saúde, a conduta da Administração implica grave prejuízo aos cofres públicos, tendo em vista o alto custo pelo quais os medicamentos são adquiridos pela via judicial em comparação aos valores pagos pelo Ministério da Saúde”, alertou.
A magistrada julgou procedente a ação determinando à União a adoção de todas as medidas necessárias para regularização da distribuição e dispensação dos medicamentos para tratamento da Hepatite C com repasse integral dos quantitativos solicitados pela Secretaria de Saúde do estado e de acordo com o cronograma previsto. Ela concedeu a antecipação de tutela fixando prazo de 90 dias para cumprimento sob pena de multa diária de R$ 5 mil. Sentença sujeita ao reexame necessário.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região o processo ficou assim ementado:
DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DACLASTAVIR, SOFOSBUVIR, RIBAVIRINA. HEPATITE C MEDICAMENTO INCLUÍDO EM PROTOCOLO CLÍNICO DO SUS. TUTELA COLETIVA DA SAÚDE. ASTREINTES. DESCUMPRIMENTO. MINORAÇÃO. POSSIBILIDADE.
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O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Comprovado que o medicamento se encontra previsto no protocolo clínico para o tratamento da enfermidade, cabível a intervenção judicial para autorizar a dispensação medicamentosa aos cidadãos que necessitam de tratamento, sendo adequada a tutela coletiva do direito, de modo a corrigir falha sistêmica da prestação do serviço de saúde. 5. Possível a aplicação de multa diária à Fazenda Pública na hipótese de descumprimento, se suficiente e compatível com a obrigação, não podendo, pois, ser exorbitante ou desproporcional, sob pena de ineficaz e desmoralizadora do próprio comando judicial. Caso em que os parâmetros adotados pela Turma são inaplicáveis em caso de tutela coletiva, cabendo fixação diferencidada.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5034655-71.2018.4.04.7100