O Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal – Ibram foi condenado a indenizar servidor que foi atacado por seis cachorros da raça rottweiler, durante fiscalização numa área pública ocupada ilegalmente.
O autor, que ocupa o cargo de auditor fiscal no órgão, conta que foi convocado para uma operação ao lado de outras seis pessoas e que não foi chamado apoio policial. Ao entrarem na propriedade, a equipe deparou-se com os animais e o servidor foi atacado de forma feroz, o que ocasionou lesões nas pernas, ombros, costas e no saco escrotal. Nos autos, a vítima destacou que levou trinta pontos por todo o corpo e necessitou custear integralmente o tratamento médico.
O Ibram, em sua defesa, limitou-se a dizer que os danos experimentados pelo autor decorreram de caso fortuito imprevisível pelo Estado e acrescentou que o requerente já havia participado de outra operação e tinha conhecimento da possibilidade de os cães o atacarem.
Na sentença, a juíza do 1º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF ressaltou que “o risco da atividade administrativa é de responsabilidade do Estado e não do agente público e cumpre ao ente público velar pela integridade física de seus servidores, adotando as medidas necessárias para mitigar tais riscos”. Desta forma, julgou o Ibram responsável pela agressão e os riscos sofridos pelo servidor.
O órgão foi condenado a indenizar o autor em R$ 406,66, por danos materiais, e R$ 6 mil, a título de danos imateriais, pelos abalos sofridos, entre eles o tempo que precisou ficar afastado de suas atividades habituais.
Cabe recurso da sentença, o referido recurso ocorreu e o mesmo ficou assim ementado:
JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SERVIDOR PÚBLICO OCUPANTE DO CARGO DE AUDITOR FISCAL DE ATIVIDADES URBANAS ATACADO POR CÃES NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. OMISSÃO ESTATAL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. MAJORAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
- Recurso interposto pelo autor contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial. Insurge-se contra o valor fixado pelo juízo a quo (R$ 6.000,00), à título de reparação pelos danos morais.
- Na origem, o autor narrou que é servidor público e atua como auditor fiscal ambiental do Distrito Federal. Relatou que no dia 18/07/2017, exercia o cargo de chefia como gerente da GEFOS da Superintendência de Fiscalização, Auditoria e Controle Ambiental do Instituto Brasília Ambiental – IBRAM – cujas competências incluem a fiscalização de do uso e ocupação do solo em áreas ambientalmente relevantes, como Áreas de Proteção Permanente – APP’s, e Unidades de Conservação – UC’s. Informa que foi convocado pela Presidente do IBRAM para operação em propriedade pública ilegalmente utilizada no Distrito Federal. Informou que a Presidente, sem se preocupar com a segurança dos seus servidores, deixou de convocar ação conjunta ou pedir ajuda policial.
- Aduziu que ao chegar no local dirigiu-se, com mais duas pessoas, em direção à casa que estava localizada no fundo do terreno. Asseverou que quase perdeu sua vida quando foi atacado por seis cachorros de grande porte (rottweiler), que o deixaram muito machucado com lesões temporárias e outras permanentes. Disse que, durante o ataque, visualizou uma mureta e quando alguns dos cachorros o soltaram, foi se arrastando com os outros cachorros presos ao corpo, até conseguir subir no muro.
- Defendeu a responsabilidade da ré/recorrida pelos fatos narrados, tendo em vista que o acidente de trabalho ocorreu por estar cumprindo ordem de superior, o qual, a despeito dos perigos do trabalho em questão, não providenciou as medidas de segurança.
- Em seu recurso, sustenta que o arbitramento do valor dos danos morais revela-se desproporcional, posto que não condiz com a amplitude dos danos, do constrangimento, do abalo emocional por ele sofrido, tendo em vista que restou comprovado (relatórios, atestados, perícia, fotos, testemunhas, sindicância) que:
“1) (…) foi atacado por seis cachorros de grande porte, com uma experiência de quase morte; 2) Ficou apenas de cueca no local do acidente, com vários ferimentos por todo o corpo. (…) teve aproximadamente trinta pontos em todo corpo. (fotos anexas a inicial); 3) Sofreu vários afastamentos do serviço, sendo um de 15 dias pelas feridas das mordidas, 6 meses por uma cirurgia realizada no ombro esquerdo por lesões ligamentares e 30 dias por questões psiquiátricas; 4) Neste último afastamento, motivado por episódios de ataques de pânico e ansiedade generalizada, quando em vistorias em situações semelhantes (…) o recorrente sofria tonturas, náuseas e vontade de vomitar. A junta médica oficial do GDF determinou que o requerente fique afastado de suas atividades e que não se exponha a ambiente análogo às condições do dia do acidente (ambiente rural, invasões, locais ermos), razão pela qual está afastado das atividades de fiscalização, (…); 5) Realizou cirurgia do ombro pois ao subir no muro para escapar, estava com 3 (três) cachorros pendurados em suas pernas e nádegas. O esforço fez com que tivesse lesões nos ligamentos anteriores e posteriores do ombro, além de perda de 70% da cartilagem da articulação, desenvolvendo artrose degenerativa e limitação na amplitude do movimento e força; 6) Realizou 130 sessões de fisioterapia em um período superior a 1 ano para recuperar parte da mobilidade e estabilidade da articulação; 7) (…) dores constantes que ainda acometem o requerente 2 anos após o acidente; 8) O recorrente está impedido de realizar qualquer esporte ou esforço que utilize os membros superiores dada a artrose. Caso o quadro evolua, a indicação é de que seja serrada a ponta dos ossos e colocada uma prótese no local. (…); 6) O trauma gerou ansiedade generalizada e crise do pânico, levando o recorrente a utilizar medicação para ansiedade até o presente momento;”
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Requer a reforma parcial da sentença para condenar a ré/recorrida ao pagamento de danos morais no importe de R$ 32.000,00.
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Na hipótese, incontroverso que o autor/recorrente, no exercício de suas funções, como auditor fiscal ambiental do Distrito Federal do IBRAM, em fiscalização de propriedade em área pública ilegalmente ocupada, foi atacado por cachorros de grande porte, o que resultou em várias lesões corporais, além de danos psicológicos, (IDs 10050930, 1005029, 10050928, 10050927, 10050926, 10050925, 10050924, 10050917, 10050914, 10050912, 10050910, 10050909, 10050908, 10050970, 10050969, 10050966, 10050963).
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Incontroverso, ainda, que, segundo os depoimentos das testemunhas, já havia sido feita uma inspeção prévia no local, com apoio policial, ocasião em que a ré/recorrida tomou conhecimento da existência de cachorros no local. No entanto, deixaram de informar ao autor/recorrente acerca disso.
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A ré/recorrida, por sua vez, não se desincumbiu do ônus de demonstrar ter tomado precauções para evitar o evento danoso ou para diminuir os riscos a que estava submetido o servidor (art. 373, II, do CPC).
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No presente caso, a desídia na ré/recorrida quanto as providências necessárias a fim de garantir a segurança dos servidores no exercício de suas funções, a responsabilidade do Estado torna-se primordialmente subjetiva (exceção ao Art. 37, § 6º, CF), porquanto os danos decorreram da omissão ao dever de cautela (ato ilícito), imputado ao agente público consubstanciado em conduta culposa ou dolosa.
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Outrossim, não há que se falar em culpa exclusiva do autor, pois, a despeito de o ato ter sido praticado por cachorros, verifica-se a omissão da Administração Pública, uma vez que, a ré/recorrida, mesmo sabendo da existência de cachorros agressivos e de grande porte no local, deixou de alertar o autor/recorrente e de tomar as providências necessárias, como solicitação de apoio policial.
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Caracterizada, portanto, a responsabilidade civil do Estado, diante da comprovação do dano, da omissão e do nexo de causalidade. Escorreita, pois, a sentença que reconheceu o dever do Estado de indenizar o autor/recorrente pelos prejuízos materiais e de reparar os danos morais.
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No que tange ao valor da indenização fixada (R$ 6.000,00), a pretensão recursal de ver majorado o valor da condenação merece ser acolhida.
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É que, além das lesões físicas (temporárias e permanente), não se pode desconsiderar a situação de extrema angústia e aflição psicológica vivenciada, tampouco a necessidade de afastamento das atividades laborais e de tratamento psicológico decorrente da situação traumática, tudo a fundamentar, no caso concreto, a majoração do valor fixado na sentença objurgada.
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Para a fixação do valor dos danos extrapatrimoniais, deve-se considerar as circunstâncias da lide, da condição socioeconômica das partes, da natureza da ofensa, a repercussão do ato ilícito e das peculiaridades do caso sob exame. Outrossim, necessário que o valor arbitrado seja suficiente para o desestímulo de condutas semelhantes.
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Portanto, no caso específico dos autos, mostra-se razoável e proporcional a condenação da ré/recorrida no pagamento da quantia de R$ 25.000,00, a título de reparação pelo dano moral.
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Recurso conhecido e provido.
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Sentença reformada para majorar o valor devido a título de indenização por dano moral de R$ 6.000,00 (seis mil) para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil), com incidência de juros de mora a partir da data do evento danoso (18/07/2017), conforme o artigo 398 do Código Civil e teor da Súmula 54 do STJ, e correção monetária a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ).
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Vencedor o recorrente, não há condenação ao pagamento de custas e honorários de sucumbência.
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A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei n.º 9.099/95.
PJe: . 0733985-69.2018.8.07.0016