Em regra, substabelecente não responde por atos praticados pelo substabelecido

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um advogado e afastou sua responsabilidade pela apropriação indébita imputada à advogada substabelecida por ele no curso de uma ação de indenização de danos morais. Para os ministros, a configuração da culpa in eligendo do substabelecente requer a comprovação de que ele sabia da inaptidão do substabelecido para o exercício do mandato ao tempo do substabelecimento.

Segundo informações do processo, o advogado foi contratado por uma empresa que lhe outorgou procuração em que se definiu a possibilidade de substabelecer, com ou sem reserva de poderes. No curso da ação, ele substabeleceu os poderes, com reserva, a outra advogada.

Representando a empresa, a advogada firmou acordo com a outra parte, tendo recebido valores da indenização em sua conta. No entanto, ela deixou de repassá-los à cliente, que ajuizou ação de reparação de danos materiais contra os dois advogados.

O juízo de primeiro grau reconheceu a ilegitimidade passiva do advogado, mas o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) condenou-o solidariamente pelos prejuízos suportados pela empresa, entendendo que haveria culpa in eligendo (culpa decorrente da má escolha do preposto).

Ciência da inaptidão

Para o relator do recurso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, o parágrafo 2° do artigo 667 do Código Civil é claro no sentido de que o substabelecente somente se responsabiliza pelos atos praticados pelo substabelecido “se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele”.

“Para o reconhecimento da culpa in eligendo do substabelecente, é indispensável que este, no momento da escolha, tenha inequívoca ciência a respeito da ausência de capacidade legal, de condição técnica ou de idoneidade do substabelecido para o exercício do mandato”, disse.

O ministro ainda ressaltou que, para a configuração da culpa in eligendo,é necessário que a inaptidão do eleito para o exercício do mandato seja uma circunstância contemporânea à escolha e de conhecimento do mandatário.

Nenhum fato

Em seu voto, o relator lembrou que as instâncias ordinárias reconheceram que o advogado não participou do acordo firmado pela substabelecida. Além disso, para o ministro Bellizze, o substabelecente não pode ser responsabilizado apenas porque ele e a advogada indicaram o mesmo endereço profissional ou porque o substabelecimento foi feito com reserva de poderes.

Para o ministro, “o acórdão recorrido não indica nenhum fato idôneo que sinalize ter o substabelecente obtido, ao proceder à escolha da substabelecida, ciência de que esta não ostentava idoneidade para o exercício do mandato, aspecto essencial à configuração da culpa in eligendo, tendo na verdade passado ao largo de qualquer consideração nesse sentido”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DELIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO SUBSTABELECENTE POR ATO PRATICADO EXCLUSIVAMENTE PELO SUBSTABELECIDO, CAUSADOR DE PREJUÍZO AO CLIENTE⁄MANDATÁRIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE VALOR PERTENCENTE AO CLIENTE PELO SUBSTABELECIDO, SEM NENHUMA DEMONSTRAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DO MANDATÁRIO. CULPA IN ELIGENDO. A INAPTIDÃO DO ELEITO PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO (EM SUBSTABELECIMENTO) DEVE SER UMA CIRCUNSTÂNCIA CONTEMPORÂNEA À ESCOLHA E, NECESSARIAMENTE, DE CONHECIMENTO DO SUBSTABELECENTE. NÃO CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A controvérsia instaurada no presente recurso especial centra-se em definir se o advogado substabelecente (mantidos os seus poderes) responsabiliza-se solidariamente pelos prejuízos causados à cliente por ato ilícito praticado unicamente pela causídica substabelecida que deixou de lhe repassar os valores recebidos em razão de acordo, por ela subscrito, realizado entre as partes, o qual pôs fim à demanda.
2.  Em regra, na hipótese de haver autorização para substabelecer, o mandatário não responde pelos atos praticados pelo substabelecido que venham causar danos ao mandante, salvo se for comprovada a sua culpa in eligendo, que se dá no caso de o mandatário proceder a uma má escolha do substabelecido, recaindo sobre pessoa que não possui capacidade legal (geral ou específica), condição técnica ou idoneidade para desempenhar os poderes a ela transferidos. A culpa in eligendo resta configurada, ainda, se o substabelecente negligenciar orientações ou conferir instruções deficientes ao substabelecido, subtraindo-lhe as condições necessárias para o bom desempenho do mandato.
2.1 Para o reconhecimento da culpa in eligendo do substabelecente, é indispensável que este, no momento da escolha, tenha inequívoca ciência a respeito da ausência de capacidade legal, de condição técnica ou de idoneidade do substabelecido para o exercício do mandato.
2.2 Compreender que o mandatário incorre em culpa in eligendo pelo fato de o substabelecido ter, durante o exercício do mandato, por ato próprio, causado danos ao mandante, a revelar — somente nesse momento — sua inaptidão legal, técnica ou moral, equivaleria a reconhecer, sempre e indistintamente, a responsabilidade solidária entre eles, o que se afasta por completo dos ditames legais. Logo, a inaptidão do eleito para o exercício do mandato (em substabelecimento) deve ser uma circunstância contemporânea à escolha e, necessariamente, de conhecimento do mandatário, a configurar a sua culpa in eligendo.
3. Afigura-se indiscutível que o advogado substabelecido que se apropria indevidamente dos valores pertencentes ao cliente, tal como se deu na espécie, ostenta absoluta inaptidão para o exercício dos poderes que lhes foram transferidos. Todavia, o advogado substabelecente somente irá responder por este ato ilícito se ficar evidenciado que, no momento da escolha, a despeito de possuir inequívoca ciência acerca da inidoneidade do aludido causídico, ainda assim o elegeu para o desempenho do mandato.
4. O substabelecimento, em especial, o com reserva de poderes, evidencia, naturalmente, a existência, entre as partes envolvidas (substabelecente e substabelecido), de uma relação calcada, minimamente, na confiança. Entretanto, essa relação prévia, por si, não é suficiente para vincular o substabelecente, a ponto de responsabilizá-lo por atos praticados pelo substabelecido que venham a desbordar dos poderes transferidos, a revelar sua inaptidão para o exercício do mandato.
4.1 A apropriação indébita de valores do cliente pelo advogado, que exerce, nos termos do art. 133 da Constituição Federal, função essencial à Justiça, consubstancia um ato antijurídico, absolutamente anormal, cuja prática não pode ser esperada (ou presumivelmente aguardada) pelo advogado que, devidamente autorizado contratualmente, pretenda substabelecer poderes a outro colega de profissão.
4.2 No caso dos autos, o acórdão recorrido não indica nenhum fato idôneo que sinalize ter o substabelecente obtido, ao proceder à escolha da substabelecida, ciência de que esta não ostentava idoneidade para o exercício do mandato, aspecto essencial à configuração da culpa in eligendo, tendo, na verdade, passado ao largo de qualquer consideração nesse sentido. Não houve qualquer cogitação, por exemplo, de que não seria a primeira vez que a causídica teria se apropriado indevidamente de valores de seus clientes, ou que respondesse a processos disciplinares perante a Ordem dos Advogados do Brasil por infrações éticas, etc, e, portanto, o substabelecente, ao elegê-la, pela responsabilidade que esse ato implica, saberia (ou deveria saber) de tais circunstâncias.
5. Recurso especial provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1742246

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