Corte Especial confirma afastamento do governador Wilson Witzel por 180 dias

​​​​Por maioria, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), pelo período de 180 dias. A medida foi determinada na sexta-feira (28) pelo relator do inquérito, ministro Benedito Gonçalves.

Quatorze ministros – incluindo o presidente do STJ, Humberto Martins – votaram para corroborar a decisão do relator. O ministro Sérgio Kukina acompanhou em maior extensão, pois acolheu integralmente o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para deferir também o pedido de prisão preventiva do governador. O ministro Napoleão Nunes Maia Filho votou contra o afastamento de Wilson Witzel – medida que, em sua visão, deveria ser discutida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Para o colegiado, o afastamento cautelar do governador é necessário para a continuidade das investigações. Os ministros entenderam que a medida é cabível e está suficientemente motivada para a garantia de ordem pública e da instrução criminal. Avaliaram, também, que não houve excesso na atuação individual do ministro relator, pois a decisão foi imediatamente submetida ao órgão de maior representatividade no tribunal: a Corte Especial.

Witzel, empresários e outros agentes públicos são alvos da Operação Tris in Idem, que apura irregularidades na contratação de hospitais de campanha, compra de respiradores e medicamentos para o combate à Covid-19.

Transmissão a​​o vivo

No início do julgamento, o ministro Benedito Gonçalves rejeitou um pedido da defesa para que fosse interrompida a transmissão da sessão por videoconferência no canal do STJ no YouTube. Ele observou que, não fossem as medidas adotadas para conter a pandemia do novo coronavírus, a sessão de julgamento seria pública e presencial; por isso, não havia razão para suspender a transmissão. “O YouTube é apenas uma ferramenta tecnológica”, comentou o ministro.

Benedito Gonçalves justificou a decisão monocrática de afastamento com base em regras do Código de Processo Penal e do Regimento Interno do STJ. Segundo o ministro, situações excepcionais justificam a decisão cautelar do relator para posterior deliberação do colegiado.

Ele lembrou que deferiu parcialmente o pedido do MPF, pois rejeitou a prisão preventiva de Wilson Witzel. O ministro disse que a delação premiada que auxiliou nas investigações continua sigilosa, e o acesso a ela foi permitido apenas aos denunciados.

A Corte Especial também seguiu o entendimento do ministro nas medidas decretadas em relação aos outros investigados.

Divergên​​cia

Ao apresentar seu voto divergente da posição da maioria, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho afirmou que o afastamento cautelar configura uma forma de “cassação indireta” do mandato popular conferido por quase cinco milhões de fluminenses a Wilson Witzel.

Além disso – acrescentou –, a falta de sustentação oral pelos advogados e a existência de documentos sigilosos prejudicam a defesa do acusado. “Como a defesa pode desconstituir os indícios coletados pela atividade policial, se não tem acesso a eles?”, indagou.

Para o magistrado, o julgamento de uma cautelar criminal, sem a possibilidade de sustentação oral, não combina com o conceito de ampla defesa. Se o afastamento fosse apreciado após o recebimento da denúncia – afirmou –, haveria a oportunidade de defesa, porque os advogados poderiam se manifestar da tribuna.

De todo modo, segundo ele, do ponto de vista político, os deputados estaduais do Rio de Janeiro é que deveriam assumir o encargo e a responsabilidade de afastar o governador, porque “são detentores de investidura popular”.

Com o re​​lator

Em seu voto, o ministro Francisco Falcão destacou a gravidade dos fatos, inclusive com relatos de pagamentos em dinheiro vivo, e disse que o cenário narrado pelo MPF justificou o afastamento do governador. “Impossível continuar exercendo esse cargo diante dos fatos narrados”, concluiu Falcão.

Na mesma linha, a ministra Nancy Andrighi apontou a gravidade dos fatos e a complexidade do processo, com mais de 12 mil páginas detalhando as atividades irregulares no governo estadual. Segundo ela, a prisão cautelar tem por objetivo frear as atividades da organização criminosa, preservando os interesses do Estado do Rio de Janeiro – cujas dificuldades financeiras foram agravadas pela crise da Covid-19.​

Para a ministra Laurita Vaz, o afastamento foi devidamente motivado, e a medida é necessária para a garantia da ordem pública. “Há fortes evidências do cometimento de crimes gravíssimos, envolvendo, em primeiro plano, supostamente o governador Witzel e a primeira-dama – que, na condição de advogada, teria recebido de agosto de 2019 a maio de 2020 mais de meio milhão de reais em repasses ilícitos de empresas ligadas à prestação de serviços hospitalares”, comentou.

O ministro Og Fernandes mencionou que o relator teve muito cuidado ao analisar o caso e determinar o afastamento. Ele ponderou que, se a medida não se mostrar mais necessária antes do fim do prazo de 180 dias, a Corte Especial poderá reanalisar o assunto para, eventualmente, suspendê-la.

O ministro Luis Felipe Salomão considerou que a divergência manifestada pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho é importante para a reflexão do colegiado, mas acompanhou o voto do relator e também elogiou o cuidado do ministro Benedito Gonçalves na análise do caso.

A ministra Isabel Gallotti, convocada para integrar a Corte Especial no julgamento, lembrou que as medidas cautelares penais podem ser decretadas antes da denúncia e mesmo sem a oitiva dos investigados, como forma de proteção da sociedade e para a efetividade das investigações. Gallotti também ressaltou os fortes indícios de autoria e materialidade de crimes praticados na área de saúde do Rio, situação agravada pelo quadro da pandemia. ​

Na avaliação do ministro Marco Buzzi, as medidas cautelares adotadas pelo relator são adequadas aos indícios de participação delitiva de cada um dos investigados, inclusive em relação aos que tiveram a prisão provisória decretada.

Prisã​​​o

Para o ministro Sérgio Kukina, o pedido do MPF deveria ser acolhido também em relação à prisão de Wilson Witzel, pois as mesmas provas coletadas na investigação serviram para a decretação da prisão de investigados que, em princípio, estariam em posição de menos destaque na organização criminosa.

Ele reconheceu a relevância do mandato conferido pela vontade popular, mas ponderou que o governador implicado “recebeu os votos para governar com decência, o que, de acordo com o quadro até o momento, não tem acontecido”.​

Último a votar, o ministro Humberto Martins também acompanhou o entendimento de Benedito Gonçalves. “A decisão do relator não merece qualquer reparo ou qualquer acréscimo, pois foi baseada nos fatos apontados nos autos e fundamentada com embasamento técnico e jurídico”, declarou.

Para Martins – que, como presidente do tribunal, também preside as sessões da Corte Especial –, em juízo de cognição sumária, existem indícios suficientes de autoria e materialidade para a decretação do afastamento do governador. “Nessas condições, acompanho integralmente o voto do relator, mantendo em todos os termos o afastamento”, concluiu.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

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