Pedido de vista da ministra Rosa Weber suspendeu o julgamento do Mandado de Segurança (MS) 29599, impetrado pela Construtora Andrade Gutierrez S.A. com o objetivo de anular ato do Tribunal de Contas da União. O TCU condenou a construtora a devolver valores ao erário em razão de superfaturamento de preços, constatado em aditamentos contratuais celebrados entre ela e o Departamento de Estradas e Rodagem de Mato Grosso (DER/MT) para a realização de obras na Rodovia BR 163/MT, que liga o norte do Estado do Mato Grosso à divisa com o Estado do Pará.
Tese da autora
A autora do MS alega ter participado de regular processo licitatório tendo cumprido todas as especificações do edital, inclusive com relação ao preço dos serviços a serem executados. Defende que não houve nenhuma ilegalidade em sua conduta e que o TCU não possui competência constitucional para promover alteração retroativa e unilateral dos preços, modificando cláusulas econômico-financeiras do contrato.
A empresa acrescenta que, mesmo que o TCU pudesse anular o contrato, deveriam ser preservados os direitos adquiridos ou os efeitos consolidados dos aditivos do contrato no que diz respeito aos serviços já executados. Aduz que o acórdão questionado é ilegal e viola o devido processo legal, “em razão da desconsideração de economicidade dos elementos técnicos que seriam favoráveis ao particular e do indeferimento do requerimento de prova pericial da construtora”. Dessa forma, pede a anulação do acórdão do TCU na parte em que manteve a condenação da devolução de valores ao erário.
Em dezembro de 2010, o relator do mandado de segurança, ministro Dias Toffoli, deferiu o pedido de liminar. A União recorreu dessa decisão por meio de agravo regimental.
Voto do relator
O relator votou no sentido de negar o MS, cassando a liminar anteriormente concedida por ele e julgando prejudicado o agravo regimental interposto pela União. Ele deu início ao voto abordando as atribuições do TCU, previstas no inciso IX, do artigo 71, da Constituição Federal. Ele ressaltou que, de acordo com a jurisprudência do Supremo, embora o TCU não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos, tem competência para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação que o originou.
“A participação do TCU no processo de anulação, resolução ou de resilição de contratos, conforme haja ou não o elemento ilícito ou culposo na causa determinante da extinção anormal da avença, limita-se a determinar essa conduta à autoridade. Os efeitos da não observância do comando do Tribunal de Contas se dilatam para outra esfera”, afirmou, ao citar a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União – Lei 8.443/92.
De acordo com o ministro Dias Toffoli, o TCU identificou o sobrepreço e determinou a readequação dos valores. Essa foi a primeira decisão do Tribunal de Contas da União e que não é objeto do presente mandado de segurança. Nela, o TCU fixou prazo ao presidente do Departamento de Viação e Obras Públicas de Mato Grosso (DVOP-MT) para que anulasse o termo de rerratificação referente ao contrato, “em virtude de sobrepreços nele presentes e prejuízos para a administração pública deles concernentes”, mas a construtora recusou as alterações porque avaliou que não teria condições de fazer a obra conforme a nova proposta apresentada. Por isso, o órgão administrativo rescindiu o contrato.
Segundo o relator, “o TCU atuou no seu limite de competência determinando à autoridade administrativa a readequação dos valores”. Com base na linha da jurisprudência do Supremo e nas normas constitucionais, o ministro Dias Toffoli entendeu ser “perfeitamente legal a atuação da Corte de Contas ao assinar prazo ao Departamento de Viação e Obras Públicas do Estado do Mato Grosso para garantir o exato cumprimento da lei”. Nesse sentido, ele citou como precedente o MS 26000.
O ministro explicou que, ao contrário do que afirma a construtora, ela não foi condenada a restituir os valores recebidos em razão da execução do contrato, mas a restituição aos cofres públicos da diferença dos valores em que se identificou o sobrepreço na forma calculada pelo TCU. “A devolução dos valores a que foi condenada a impetrante [empresa] seria decorrente de ilegalidade apurada pela corte de contas, configuradora de dano ao erário, não existindo, portanto, modificação de cláusula econômico-financeira do contrato. Não interferiu o TCU na execução do contrato”, avaliou.
“Legítima, portanto, entendo eu, a condenação da impetrante ao ressarcimento do dano causado ao erário, bem como a sua consequente inscrição no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin), no caso de inadimplemento”, disse o relator.
Ausência de direito líquido e certo
Segundo o ministro Dias Toffoli, a análise do valor a ser cobrado e do que deveria ou não ser considerado para a realização dos cálculos é inviável na via do mandado de segurança. “Dada a natureza da ação mandamental, é condição necessária para o seu manejo que o direito pleiteado seja líquido e certo”, esclareceu, ao salientar a dificuldade de se verificar direito líquido e certo na presente na impetração, na medida em que “é necessário um revolvimento de fatos e provas fáticas”. “Não vejo como nós superarmos essa dificuldade”, completou.
O ministro frisou que o MS não é a via adequada para impor análise de determinados elementos técnicos ou o deferimento de requerimento de produção de prova pericial. “O Tribunal de Contas fundamentou a rejeição dos pedidos e promoveu o cálculo do quantum do sobrepreço em consonância com critérios tecnicamente por ela utilizados e com as normas de seu regimento interno. Assim, forçoso reconhecer a ausência de direito líquido e certo a amparar a pretensão da impetrante que pode tentar outras vias”, disse.
O voto do relator foi seguido pelo ministro Luiz Fux.
Divergência
O ministro Marco Aurélio abriu divergência, votando pela concessão do pedido. De acordo com ele, está em debate matéria de direito da maior importância: saber os limites da atuação do TCU “porque a decisão do Tribunal de Contas encerra título executivo”. O ministro salientou que, conforme o texto da Constituição Federal, o TCU sequer pode sustar contrato. “Ele comunica ao Congresso a teor do disposto no parágrafo 1º do artigo 71”, afirmou.
“Mas, não podendo sustar contrato já que atua como órgão auxiliar no campo estritamente administrativo do Congresso, ele pode estampar em um pronunciamento que ganha contornos de título judicial para execução?”, indagou o ministro Marco Aurélio. “O que me assombra é um órgão que não integra o Poder Judiciário – e que “só apresenta o vocábulo ‘tribunal’ na nomenclatura – possa condenar uma pessoa jurídica de direito privado encerrando essa condenação, título executivo, sem que viabilize o direito de defesa à exaustão”, ressaltou o ministro.
“Não reconheço a um órgão administrativo como é o Tribunal de Contas, auxiliar do Congresso Nacional no controle da Administração Pública, esse superpoder de impor ao particular uma condenação presente a obrigação de dar”, salientou o ministro Marco Aurélio, frisando que o TCU, conforme prevê a Constituição Federal, não é um órgão voltado a cobrar dos particulares. Para ele, ao constatar a irregularidade, o Tribunal de Contas poderia extrair cópias e encaminhar à Advocacia da União para as medidas judiciais cabíveis.
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Processo relacionado: MS 29599