Médicos acusados de matar criança após remoção de órgãos serão julgados pelo tribunal do júri

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ribeiro Dantas manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que declarou a nulidade da condenação de cinco médicos pelo crime de remoção de órgãos seguida de morte, para que eles sejam julgados pelo tribunal do júri por crime doloso contra a vida.

Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em abril de 2000, os médicos removeram os órgãos de uma criança de dez anos para transplante, causando a sua morte. A criança foi atendida pelos médicos após sofrer traumatismo craniano em uma queda acidental no prédio onde morava, em Poços de Caldas (MG).

Na denúncia, o MPMG afirmou que, mediante irregularidades procedimentais graves, os acusados retardavam os meios indispensáveis para preservar a vida dos pacientes, levando-os à morte com o objetivo de retirar seus órgãos para transplantes, a serem feitos com desrespeito à lista de espera de receptores.

No recurso ao STJ, o MPMG alegou que a conduta dos profissionais de saúde não deveria ser qualificada como crime doloso contra a vida, mas como delito previsto na Lei de Transplantes (Lei 9.434/1997), e por isso o tribunal do júri não seria competente para o julgamento.

Classificação​​ jurídica

O relator, ministro Ribeiro Dantas, explicou que não há controvérsia a respeito dos fatos denunciados e reconhecidos na sentença que foi anulada pelo TJMG, pois, tanto para o MPMG quanto para as instâncias ordinárias, os médicos removeram os órgãos da vítima, causando-lhe dolosamente a morte como consequência.

Segundo o ministro, a divergência discutida no recurso é relativa à classificação jurídica da conduta: se correspondente ou não a crime doloso contra a vida. Para o TJMG – destacou o relator –, a conduta dos médicos se caracterizou como crime praticado com dolo no antecedente (remoção de órgãos em pessoa viva) e com dolo no consequente (morte).

Contudo – observou Ribeiro Dantas –, o MPMG argumentou que o crime deveria ser qualificado pelo resultado (artigo 14 da Lei de Transplantes), o qual pode decorrer de uma conduta tanto dolosa quanto culposa.

Vontade de m​​atar

Para o ministro, no entanto, os médicos agiram com consciência e vontade não apenas de remover os órgãos, mas também de matar a vítima. “Se a finalidade principal era a retirada, não se pode olvidar a necessária finalidade, de modo idêntico, de matar a vítima, ainda que secundária. Em outras palavras, partindo da própria narrativa fática da acusação, os réus agiram com ambos os fins”, afirmou.

Ribeiro Dantas observou que a hipótese do artigo 14, parágrafo 4º, da Lei 9.434/1997 trata de nítido caso de crime preterdoloso, no qual a remoção ilegal de órgão acontece dolosamente, mas o resultado morte é meramente culposo, não intencional, e sem que tenha sido assumido o seu risco. “Seria o caso de o médico, por imperícia, causar o óbito da vítima, presentes os demais requisitos da modalidade culposa”, esclareceu.

O relator lembrou que a Terceira Seção já discutiu questão semelhante à dos autos e concluiu que “a remoção dos órgãos ou partes do cadáver foi consequência da ação de homicídio, esta a ação principal”.

Para ele, no caso, não há controvérsia sobre a acusação se referir a dolo na remoção dos órgãos e dolo no resultado morte, devendo, assim, a competência para o julgamento ser do tribunal do júri.

Leia a decisão.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA QUANTO A ALGUNS DISPOSITIVOS INVOCADOS. REMOÇÃO DE ÓRGÃOS QUALIFICADA PELO RESULTADO MORTE. ART. 14, § 4º, DA LEI 9437⁄97. CRIME PRETERDOLOSO. DOLO NO CONSEQUENTE. HOMICÍDIO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E NESTA PARTE IMPROVIDO.
1. Não se considera atendido o requisito do prequestionamento quando os dispositivos de lei federal que se pretende questionar foram invocados pela primeira vez apenas em sede de embargos de declaração contra acórdão do Tribunal de 2º grau, proferido sem nenhum vício interno, tendo a questão permanecido sem apreciação na origem. Súmula 211⁄STJ.
2. O crime de remoção de órgãos qualificado pelo resultado, previsto no art. 14, § 4º, da Lei 9.434⁄97, é preterdoloso, no qual a remoção ilegal acontece dolosamente, mas o resultado morte é meramente culposo, não intencional e sem que tenha sido assumido o seu risco.
3. Não havendo controvérsia quanto ao conteúdo da acusação de terem os réus removido órgãos da vítima causando-lhe a morte com consciência e vontade, configura-se em tese o crime de homicídio, tipo penal doloso contra a vida de competência do Tribunal do Júri.
4. Agravo regimental conhecido, mas recurso especial conhecido em parte e nesta parte negado provimento.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1656165

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