Imóvel alienado não pode ser penhorado em execução de débito condominial do devedor fiduciante

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o imóvel alienado fiduciariamente não pode ser penhorado em execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante. Para o colegiado, embora o devedor responda com seu patrimônio nesses casos, isso não se aplica à hipótese de imóvel em alienação fiduciária, pois ele integra o patrimônio de terceiro.

Na origem do caso, um condomínio residencial ajuizou execução para receber cotas condominiais em atraso. O devedor opôs embargos à execução, alegando a impossibilidade da penhora do apartamento, por ele estar alienado fiduciariamente a um banco.

Apesar de o juízo ter declarado a impenhorabilidade do imóvel, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu pela penhora, em razão da natureza propter rem do débito condominial e com fundamento no artigo 1.345 do Código Civil (CC), segundo o qual o adquirente responde pelas dívidas do alienante em relação ao condomínio.

No recurso especial, o executado sustentou que não seria possível a penhora do imóvel alienado, mas apenas dos direitos aquisitivos derivados da alienação fiduciária em garantia.

Exceção legal à natureza propter rem da obrigação condominial

A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que “a classificação de uma obrigação como propter rem depende de como ela está regulamentada pelo ordenamento jurídico” e, “quanto aos débitos condominiais, o caráter da ambulatoriedade é extraído do artigo 1.345 do CC“.

Entretanto, “assim como o caráter ambulatório (propter rem) de determinada obrigação existe por força da lei, nada impede que o legislador atribua essa característica como regra geral, mas a excepcione em hipóteses específicas”, ressaltou a ministra.

Segundo a relatora, apesar de o artigo 1.345 do CC atribuir, como regra geral, o caráter propter rem ao débito condominial, há exceção para a hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, prevista nos artigos 27, parágrafo 8º, da Lei 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC, que atribuem a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais ao devedor fiduciante, enquanto estiver na posse direta do imóvel.

Penhora deve recair sobre patrimônio do responsável pelo débito condominial

“No direito brasileiro, afirmar que determinado sujeito tem a responsabilidade pelo pagamento de um débito significa dizer, no âmbito processual, que o seu patrimônio pode ser usado para satisfazer o direito substancial do credor, na forma do artigo 789 do Código de Processo Civil (CPC)“, disse Nancy Andrighi.

De acordo com a ministra, por ser o devedor fiduciante responsável pelas despesas condominiais enquanto estiver na posse direta do apartamento, seu patrimônio deve ser usado para a quitação dos débitos – o que não inclui o imóvel alienado, já que este integra o patrimônio do credor fiduciário.

Por outro lado, a relatora ressalvou que, embora não seja possível a penhora do imóvel alienado, é admitida a penhora do direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária, nos termos do artigo 1.368-B do CC e do artigo 835, inciso XII, do CPC.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. TESES DE EXCESSO DE EXECUÇÃO E PRECLUSÃO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. EXECUÇÃO DE DESPESAS CONDOMINIAIS. IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR FIDUCIANTE. ARTS. 27, § 8º, DA LEI Nº 9.514⁄1997 E 1.368-B, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC⁄2002. PENHORA DO IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE. BEM QUE NÃO INTEGRA O PATRIMÔNIO DO DEVEDOR FIDUCIANTE. PENHORA DO DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO. POSSIBILIDADE. ARTS. 1.368-B, CAPUT, DO CC⁄2002, C⁄C O ART. 835, XII, DO CPC⁄2015.
1. Ação de embargos à execução, ajuizada em 11⁄5⁄2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26⁄8⁄2022 e concluso ao gabinete em 27⁄10⁄2022.
2. O propósito recursal é definir se é possível a penhora de imóvel alienado fiduciariamente, em ação de execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante.
3. De acordo com o art. 105, III, “a”, da CRFB, não é cabível recurso especial fundado em violação de dispositivo constitucional ou em qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal.
4. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado, quando suficiente para a manutenção da decisão quanto ao ponto, impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 283⁄STF.
5. A ausência de indicação do dispositivo violado impede o conhecimento do recurso especial quanto ao tema. Súmula 284⁄STF.
6. A natureza ambulatória (ou propter rem) dos débitos condominiais é extraída do art. 1.345 do CC⁄2002, segundo o qual “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.
7. Apesar de o art. 1.345 do CC⁄2002 atribuir, como regra geral, o caráter ambulatório (ou propter rem) ao débito condominial, essa regra foi excepcionada expressamente, na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, pelos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514⁄1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC⁄2002, que atribuem a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais ao devedor fiduciante, enquanto estiver na posse direta do imóvel. Precedentes.
8. No direito brasileiro, afirmar que determinado sujeito tem a responsabilidade pelo pagamento de um débito, significa dizer, no âmbito processual, que o seu patrimônio pode ser usado para satisfazer o direito substancial do credor, na forma do art. 789 do CPC⁄2015.
9. Ao prever que a responsabilidade pelas despesas condominiais é do devedor fiduciante, a norma estabelece, por consequência, que o seu patrimônio é que será usado para a satisfação do referido crédito, não incluindo, portanto, o imóvel alienado fiduciariamente, que integra o patrimônio do credor fiduciário.
10. Assim, não é possível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente em execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante, na forma dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514⁄1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC⁄2002, uma vez que o bem não integra o seu patrimônio, mas sim o do credor fiduciário, admitindo-se, contudo, a penhora do direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária, de acordo com os arts. 1.368-B, caput, do CC⁄2002, c⁄c o art. 835, XII, do CPC⁄2015.
11. Hipótese em que o Tribunal de origem decidiu pela possibilidade da penhora do imóvel, apesar de estar alienado fiduciariamente, em razão da natureza propter rem do débito condominial positivado no art. 1.345 do CC⁄2002.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial dos embargos à execução, a fim de declarar a impenhorabilidade do imóvel na espécie, por estar alienado fiduciariamente, ficando ressalvada a possibilidade de penhora do direito real de aquisição.

Leia o acórdão no REsp 2.036.289.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2036289

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