Prescrição ocorrida após a coexistência de dívidas não impede a compensação, define Terceira Turma

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prescrição só impede a compensação de dívidas se ocorrer antes do momento de coexistência das obrigações. Dessa forma, segundo o colegiado, se o prazo prescricional for atingido após o período da simultaneidade dos débitos, não haverá problema para a compensação.

O entendimento foi estabelecido em recurso originado de embargos à execução opostos por dois clientes contra o fundo de pensão responsável por financiar a compra de um imóvel.

Segundo os autos, a financiadora ajuizou execução de título extrajudicial em agosto de 2015 porque, desde janeiro de 2004, os clientes deixaram de pagar as parcelas do bem adquirido em 1991, de modo que a dívida venceu antecipadamente, alcançando o valor de mais de R$ 1 milhão.

Em contrapartida, os clientes, apontando excesso de execução, sustentaram que o valor das prestações estava em desacordo com o contratado e que a instituição responsável pelo financiamento se apropriou da reserva previdenciária de um deles, havendo uma compensação integral do débito – sendo cabível, inclusive, a restituição do indébito em montante superior a R$ 400 mil. Para apurar o excesso e o montante de restituição, eles postularam a realização de perícia técnica.

Em primeiro grau, o juiz negou o pedido de produção de provas e declarou a prescrição da pretensão dos clientes de receber as contribuições previdenciárias cobradas de forma supostamente indevida. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, segundo o qual a repetição de indébito também não poderia ser pleiteada em embargos à execução.

Interpretação ampla dos institutos da prescrição e da compensação

A relatora do recurso dos clientes, ministra Nancy Andrighi, lembrou que, conforme previsto no artigo 368 do Código Civil de 2002, a compensação é caracterizada como meio indireto de extinção da obrigação.

A ministra afirmou que tal instituto é direito potestativo extintivo e que, no ordenamento jurídico brasileiro, opera, por determinação legal, no momento da coexistência das dívidas, ou seja, para que as dívidas sejam compensáveis, elas devem ser exigíveis, de forma que as obrigações naturais e as dívidas prescritas não são compensáveis.

Porém, a magistrada destacou que não se pode, a partir desse entendimento, afirmar que a obrigação prescrita não possa ser, em nenhuma hipótese, objeto de compensação.

“A prescrição somente obstará a compensação se ela for anterior ao momento da coexistência das dívidas. Se o prazo prescricional se completou posteriormente a esse fato, tal circunstância não constitui empecilho à compensação dos débitos”, ponderou a relatora.

Prova pericial para apuração da compensação espontânea

Além disso, Nancy Andrighi salientou que, ainda que a pretensão de cobrança do débito esteja prescrita quando configurada a simultaneidade das dívidas, a parte que se beneficia da prescrição poderá efetuar a compensação. “Se o crédito do qual é titular a parte contrária estiver prescrito, é possível que o devedor, o qual também ocupa a posição de credor, desconte de seu crédito o montante correspondente à dívida prescrita”, afirmou.

No caso analisado, a ministra explicou que a pretensão de recebimento de eventuais diferenças a título de contribuição previdenciária, de fato, ficou prescrita, de acordo com o que definiram as instâncias ordinárias.

Entretanto, ela ressaltou que o fundo de pensão aplicou espontaneamente o desconto da reserva matemática devida e que, por essa razão, mesmo reconhecida a prescrição, não há impedimento para que a perícia verifique se a compensação ensejou a quitação parcial ou total do débito decorrente do contrato de financiamento imobiliário. “O indeferimento da produção de prova pericial com fundamento na ocorrência de prescrição configura cerceamento de defesa”, enfatizou a magistrada.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. PRESCRIÇÃO. SÚMULA 283⁄STF. COMPENSAÇÃO ESPONTÂNEA. DÍVIDA PRESCRITA. VERIFICAÇÃO DA EXTENSÃO DA COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. RECONHECIMENTO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. VIABILIDADE. HONORÁRIOS PERICIAIS. ADIANTAMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA.  ART. 95, § § 3º e 4º, DO CPC⁄2015. JULGAMENTO: CPC⁄2015.
1. Embargos à execução opostos em 31⁄10⁄2015, dos quais foi extraído o presente recurso especial interposto em 22⁄05⁄2020 e concluso ao gabinete em 11⁄10⁄2021.
2. O propósito recursal é definir se a) houve cerceamento de defesa; b) é cabível pleitear a repetição de indébito em sede de embargos à execução; c) a pretensão dos recorrentes de recebimento de eventuais valores devidos a título de reserva matemática de aposentadoria, após a amortização da dívida, está prescrita e, em sendo a reposta positiva, se isso impede que se analise se a compensação operada culminou na quitação integral do débito exequendo; d) os recorrentes são responsáveis pelo pagamento dos honorários periciais.
3. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado, quando suficiente para a manutenção de suas conclusões, impede a apreciação do recurso especial (Súmula 283⁄STF). Prescrição, portanto, mantida.
4. A compensação é direito potestativo extintivo e, no direito brasileiro, opera por força de lei no momento da coexistência das dívidas. Para que as dívidas sejam compensáveis, elas devem ser exigíveis. Sendo assim, as obrigações naturais e as dívidas prescritas não são compensáveis. Todavia, a prescrição somente obstará a compensação se ela for anterior ao momento da coexistência das dívidas. Ademais, se o crédito do qual é titular a parte contrária estiver prescrito, é possível que o devedor, o qual também ocupa a posição de credor, desconte de seu crédito o montante correspondente à dívida prescrita. Ou seja, nada impede que a parte que se beneficia da prescrição realize, espontaneamente, a compensação. Por essa razão, ainda que reconhecida a prescrição pelo Tribunal local, uma vez que a compensação foi realizada voluntariamente pela recorrida (exequente⁄embargada), não há óbice para que a perícia averigue se a compensação ensejou a quitação parcial ou total do débito decorrente do contrato de financiamento imobiliário. Assim, o indeferimento da perícia com fundamento na ocorrência de prescrição configura cerceamento de defesa.
5. A jurisprudência do STJ é no sentido de que é cabível a condenação à repetição do indébito em sede de embargos à execução. Precedentes. Apesar disso, na hipótese, a Corte local também fundamentou o indeferimento do pedido na ocorrência de prescrição e, quanto ao tópico, o recurso especial não foi conhecido.
6. Se a parte que postulou a realização da prova pericial for beneficiária da gratuidade de justiça, com relação aos honorários periciais, deve ser observado o disposto no art. 95, § § 3º e 4º, do CPC⁄2015.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.

Ao dar parcial provimento ao recurso, Nancy Andrighi também recordou que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de admitir a condenação à repetição de indébito em embargos à execução.

Leia o acórdão no REsp 1.969.468.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1969468

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