Mantida sentença que anulou ato que cassou registro de empresa colonizadora particular pela não observância do devido processo legal

A 5ª Turma do Tribunal Federal da 1ª Região (TRF1) negou apelação contra a sentença que anulou ato do Comitê de Decisão Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Mato Grosso, que cancelou o registro de uma empresa como colonizadora particular. O magistrado sentenciante entendeu que houve violação do devido processo legal, uma vez que não foi respeitado o direito da empresa ao contraditório e à ampla defesa.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) apelou alegando que o devido processo legal foi observado e que os procedimentos administrativos instaurados contaram com a efetiva participação da empresa, por meio da qual se apurou que a empresa ‘teria se apropriado ilegalmente de terras públicas e particulares, utilização de documentação falsa, e principalmente pela ilegalidade dos títulos de propriedade que deram origem à unificação de matrículas’.

Ao analisar o caso, a desembargadora federal Daniele Maranhão, concluiu que, “no recurso administrativo contra a decisão que determinou a cassação do registro da apelada, não consta que a referida peça tenha sido despachada e/ou analisada pela autoridade impetrada”.

“Por conseguinte, não tendo o ato de cassação do registro da empresa impetrante sido precedido de um processo administrativo em que a impetrante pudesse, na condição de parte, exercer um contraditório efetivo, em consonância com os princípios que regem a o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei 9.784/99) e mesmo com os da teoria geral do processo, deve ser mantida a sentença concessiva da segurança, sem prejuízo da instauração de novo procedimento que observe as regras do devido processo legal”, explicou a magistrada.

Empresa Colonizadora – O Decreto 59.428/96, que regulamenta o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) estabelece que a colonização particular tem por finalidade complementar e ampliar a ação do Poder Público na política de facilitar o acesso à propriedade rural através de empresa para sua execução e requererá seu registro no Incra.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. COLONIZADORA PARTICULAR. CASSAÇÃO DE REGISTRO. INIDONEIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOBSERVÂNCIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VIA INADEQUADA. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ARTS. 2º E 50 DA LEI 9.784/99. CONCESSÃO DA ORDEM. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

  1. A controvérsia diz respeito à legalidade do ato de cassação do registro da impetrante como empresa colonizadora particular com fulcro no disposto no art. 82 parágrafo único, “b”, e art. 83 do Decreto nº 59.428/96, ao fundamento de que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA não teria observado o prévio procedimento administrativo com a garantia do devido processo legal.

  2. Os atos administrativos que neguem, limitem ou afetem direitos e interesses dos seus destinatários devem ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que os embasam, sobretudo para que se possa assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa, elementares ao devido processo legal administrativo, a teor dos arts. 2º e 50, I, da Lei n. 9.784/99.

  3. O ato que cassou o registro da impetrante teve origem no Processo Administrativo Disciplinar n. 54000.004682/96-91, regido pela Lei n. 8.112/90, instaurado a fim de apurar denúncia de irregularidades nos projetos de colonização da empresa SINOP S/A (por suposta apropriação ilegal de terras,  mediante uso de documentação falsa), que ao final se concluiu pela ausência de infração disciplinar ou ilícito penal por parte dos servidores do INCRA, inexistindo indiciamento.

  4. Não obstante tenha sido ali consignado que fugia à competência da Comissão Processante Disciplinar punir a empresa colonizadora, aquele órgão colegiado sugeriu a cassação do registro da apelada, com fundamento nos arts. 82 e 83 do Decreto 59.428/96, que dispõem  ser cabível a cassação do registro no caso de inidoneidade da empresa.

  5. Ocorre que o processo administrativo disciplinar, regulado pelos art. 143 a 182 da Lei 8.112/1990, tem como escopo a apuração de irregularidades no serviço público, imputáveis a seus servidores, por descumprimento dos deveres e obrigações funcionais, sendo o parágrafo único do art. 144 expresso no sentido de que “Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.

  6. Em outras palavras, o procedimento administrativo disciplinar, não poderia ter sido utilizado como instrumento à aplicação de penalidade à empresa apelada, mas, ainda que se possa cogitar de flexibilização da legalidade estrita no seu aspecto procedimental, é fato que não foi observado, no caso concreto, o contraditório e ampla defesa. Isso porque, embora a impetrante tenha sido intimada, por meio de sua representante legal – para prestar informações nos autos (como interessada) e para indicar provas e testemunhas – não foi intimada, seja para oferecer defesa técnica, seja dos demais atos instrutórios (a exemplo da contradita ou reinquirição de testemunhas ou do direito à vista de novos documentos juntados); e tampouco foi intimada para apresentar alegações finais, em manifesta ofensa ao disposto no art. 2º da Lei 9.784/99 e art.5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

  7. Ademais, o ato de cassação do registro, da lavra do Comitê de Decisão Regional (DCR) do INCRA, levado a efeito mais de três anos após a apresentação do relatório final da comissão processante e consubstanciado na Ata de Reunião/CDR/G/Nº 14/2002, não contém a motivação da decisão, tampouco a remissão ao procedimento em que se baseia, o que igualmente contraria o art. 50, I e VIII,  e §§ 1º e 3º, da Lei 9.784/99.

  8. Por conseguinte, não tendo o ato de cassação do registro da empresa impetrante sido precedido de um processo administrativo em que a impetrante pudesse, na condição de parte, exercer um contraditório efetivo, em consonância com os princípios que regem o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei 9.784/1.999) e mesmo os  da teoria geral do processo, deve ser  mantida a sentença concessiva da segurança, sem prejuízo da instauração de novo procedimento que observe as regras do devido processo legal.

  9. Apelação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e remessa necessária a que se nega provimento.

  10. Honorários advocatícios incabíveis na espécie (art. 25 da Lei 12.016/2009).

O colegiado acompanhou o voto da relatora, negando o provimento da apelação.

 

Processo: 0001522-25.2004.4.01.3600

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