Contribuição patronal sobre salário-maternidade é inconstitucional

Segundo a maioria do Plenário, a parcela não é contraprestação ao trabalho e, portanto, não pode compor a base de cálculo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991) que instituíam a cobrança da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade. A decisão, por maioria de votos, foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 576967, com repercussão geral reconhecida (Tema 72), julgado na sessão virtual encerrada em 4/8. A decisão servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 6970 processos semelhantes sobrestados em outros tribunais.

O recurso foi interposto pelo Hospital Vita Batel S/A, de Curitiba (PR), com o argumento de que o salário-maternidade não pode ser considerado como remuneração para fins de tributação, pois, no período em que o recebe, a empregada está afastada do trabalho. A empresa sustentava que a utilização da parcela na base de cálculo para fins de cobrança previdenciária caracterizaria fonte de custeio para a seguridade social não prevista em lei. A União, por outro lado, alegava que a empregada continua a fazer parte da folha de salários mesmo durante o afastamento e que, pela lei, o salário-maternidade é considerado salário de contribuição.

O exame do caso havia sido iniciado em novembro de 2019 e foi suspenso por pedido de vista do ministro Marco Aurélio, que liberou o processo para continuidade de julgamento em ambiente virtual, em razão da pandemia da Covid-19.

Contraprestação

No voto condutor da decisão, o relator do RE, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a Constituição Federal e a Lei 8.212/1991 preveem como base de cálculo da contribuição previdenciária os valores pagos como contraprestação a trabalho ou serviço prestado ao empregador, empresa e entidade equiparada. No caso da licença-maternidade, no entanto, a trabalhadora se afasta de suas atividades e deixa de prestar serviços e de receber salários do empregador. Portanto, o benefício não compõe a base de cálculo da contribuição social sobre a folha salarial. “O simples fato de que a mulher continua a constar formalmente na folha de salários decorre da manutenção do vínculo trabalhista e não impõe natureza salarial ao benefício por ela recebido”, ressaltou.

O relator salienta que a regra questionada (artigo 28, parágrafo 2º, da Lei 8.212/1991) cria, por lei ordinária, nova fonte de custeio da seguridade social diversa das previstas na Constituição Federal (artigo 195, inciso I, alínea ‘a’). De acordo com a norma constitucional, a criação de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social exige a edição de lei complementar.

Discriminação da mulher no mercado de trabalho

Barroso destacou diversas pesquisas que demonstram a reiterada discriminação das mulheres no mercado de trabalho, com restrições ao acesso a determinados postos de trabalho, salários e oportunidades. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) citado por ele concluiu que, no Brasil, os custos adicionais para o empregador correspondem a 1,2% da remuneração bruta mensal da mulher.

Para o relator, admitir uma incidência tributária que recaia somente sobre a contratação de mulheres e mães é tornar sua condição biológica, por si só, um fator de desequiparação de tratamento em relação aos homens, desestimulando a maternidade ou, ao menos, incutindo culpa, questionamentos, reflexões e medos em grande parcela da população, pelo simples fato de ter nascido mulher. “Impõe-se gravame terrível sobre o gênero feminino, discriminado na contratação, bem como sobre a própria maternidade, o que fere os direitos das mulheres, dimensão inequívoca dos direitos humanos”, afirmou.

Repercussão geral

Por maioria, foi declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no artigo 28, parágrafo 2º, da Lei 8.212/1991, e a parte final do seu parágrafo 9º, alínea ‘a’, em que se lê “salvo o salário-maternidade”. O entendimento do relator foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que negavam provimento ao RE.

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade”.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR. INCIDÊNCIA SOBRE O SALÁRIO-MATERNIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL.

  1. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO EM FACE DE ACÓRDÃO DO TRF DA 4ª REGIÃO, QUE ENTENDEU PELA CONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA “PATRONAL” SOBRE O SALÁRIO-MATERNIDADE.

  2. O SALÁRIO-MATERNIDADE É PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA PAGA PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL À SEGURADA DURANTE OS CENTO E VINTE DIAS EM QUE PERMANECE AFASTADA DO TRABALHO EM DECORRÊNCIA DA LICENÇA-MATERNIDADE. CONFIGURA, PORTANTO, VERDADEIRO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.

  3. POR NÃO SE TRATAR DE CONTRAPRESTAÇÃO PELO TRABALHO OU DE RETRIBUIÇÃO EM RAZÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, O SALÁRIO-MATERNIDADE NÃO SE AMOLDA AO CONCEITO DE FOLHA DE SALÁRIOS E DEMAIS RENDIMENTOS DO TRABALHO PAGOS OU CREDITADOS, A QUALQUER TÍTULO À PESSOA FÍSICA QUE LHE PRESTE SERVIÇO, MESMO SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO. COMO CONSEQUÊNCIA, NÃO PODE COMPOR A BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADOR, NÃO ENCONTRANDO FUNDAMENTO NO ART. 195, I, A, DA CONSTITUIÇÃO. QUALQUER INCIDÊNCIA NÃO PREVISTA NO REFERIDO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL CONFIGURA FONTE DE CUSTEIO ALTERNATIVA, DEVENDO ESTAR PREVISTA EM LEI COMPLEMENTAR (ART. 195, §4º). INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ART. 28, §2º, E DA PARTE FINAL DA ALÍNEA A, DO §9º, DA LEI Nº 8.212/91.

  4. ESTA CORTE JÁ DEFINIU QUE AS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS SÃO LEGITIMADORAS DE UM TRATAMENTO DIFERENCIADO ÀS MULHERES DESDE QUE A NORMA INSTITUIDORA AMPLIE DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATENDA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA COMPENSAÇÃO DAS DIFERENÇAS. NO ENTANTO, NO PRESENTE CASO, AS NORMAS IMPUGNADAS, AO IMPOREM TRIBUTAÇÃO QUE INCIDE SOMENTE QUANDO A TRABALHADORA É MULHER E MÃE CRIA OBSTÁCULO GERAL À CONTRATAÇÃO DE MULHERES, POR QUESTÕES EXCLUSIVAMENTE BIOLÓGICAS, UMA VEZ QUE TORNA A MATERNIDADE UM ÔNUS. TAL DISCRIMINAÇÃO NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO, QUE, AO CONTRÁRIO, ESTABELECE ISONOMIA ENTRE HOMENS E MULHERES, BEM COMO A PROTEÇÃO À MATERNIDADE, À FAMÍLIA E À INCLUSÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS REFERIDOS DISPOSITIVOS.

  5. DIANTE DO EXPOSTO, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA DECLARAR, INCIDENTALMENTE, A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O SALÁRIO-MATERNIDADE, PREVISTA NO ART. ART. 28, §2º, E DA PARTE FINAL DA ALÍNEA A, DO §9º, DA LEI Nº 8.212/91, E PROPONHO A FIXAÇÃO DA SEGUINTE TESE: “É INCONSTITUCIONAL A INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADOR SOBRE O SALÁRIO- MATERNIDADE”.

Tema

72 – Inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da Contribuição Previdenciária incidente sobre a remuneração.

Tese

É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade.

Leia mais:

Iniciado julgamento sobre incidência de contribuição previdenciária sobre salário-maternidade

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