Dispensa de trabalhadora com nanismo é considerada discriminatória

Ela foi dispensada três dias depois de retornar de licença previdenciária

Uma trabalhadora com nanismo deverá receber R$ 20 mil de indenização do Serviço Social do Comércio (Sesc) de São Borja (RS), porque sua dispensa, ao retornar de licença previdenciária após uma cirurgia da coluna, foi considerada discriminatória. A condenação foi mantida pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou o exame do recurso do Sesc.

Nanismo

Com acondroplasia, síndrome genética relacionada ao nanismo, a trabalhadora, contratada como atendente ao cliente, disse, na ação trabalhista, que se submetera a uma cirurgia da coluna em setembro de 2018 e ficara afastada por oito meses. Ao retornar, foi informada da dispensa.

Segundo ela, a empresa sabia da sua condição de saúde, e a dispensa também seria discriminatória em razão do nanismo. Pediu, assim, a nulidade da rescisão do contrato e a reintegração no emprego.

Condições inadequadas

A reclamação trazia, também, pedido de indenização por danos morais. Segundo a trabalhadora, o mobiliário não era adequado, obrigando-a a ficar com as pernas penduradas e a manter postura prejudicial a sua saúde. Esses fatores teriam gerado ou agravado danos nos joelhos e na coluna. Também afirmou que não havia sequer banheiro adequado à sua condição.

Apta ao trabalho

Na contestação, o Sesc disse que a atendente fora contratada para vaga de pessoa com deficiência e que sua condição era conhecida desde a admissão. Sustentou que, se houvesse discriminação, haveria alta rotatividade nos cargos submetidos à cota, “o que acarretaria um tormento na gestão de RH”. Ainda, segundo a instituição, ela estava apta para o trabalho ao retornar da licença, o que afastaria a alegação de que a teria demitido mesmo sabendo das condições de saúde. Sobre os problemas médicos, alegou que se tratava de alterações degenerativas.

Indício

Com decisão desfavorável na primeira instância, a empregada interpôs recurso ao TRT, para quem o fato de ela ter sido dispensada logo após o término do afastamento era um indício de ato discriminatório. O TRT citou ainda prova oral que indicava que a atendente era tratada com descaso e de forma desrespeitosa e concluiu que o empregador não tinha interesse em manter o posto de trabalho. Com isso, determinou a reintegração em função compatível com sua limitação e deferiu a indenização.

Estigma ou preconceito

O relator do agravo pelo qual o Sesc pretendia discutir o caso no TST, ministro Mauricio Godinho Delgado, explicou que, de acordo com a Súmula 443 do TST, presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não houver motivo justificável, diante de circunstancial debilidade física do empregado. Segundo ele, o fato de a doença não ser classificada como grave ou que suscite estigma ou preconceito não impede, por si só, a caracterização da dispensa discriminatória, quando as provas do processo indicarem prática ilícita.

Inadequação

Para o ministro, isso foi demonstrado por diversos fatores, entre eles a não observância das adequações necessárias para a trabalhadora, “que ostenta grave deficiência que exige significativa adequação ergonômica e treinamento compatível e eficaz”, conforme constatado em laudo pericial.

Ele lembrou que a Convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil (Decreto Legislativo 51/1989), determina que o empregador adote medidas adequadas de reabilitação profissional. “Essas medidas não foram observadas, pois a trabalhadora foi dispensada tão logo retornou da licença médico-previdenciária”, afirmou.

Em seu voto, o relator citou, também, a Convenção 111 da OIT, que rechaça toda forma de discriminação no trabalho, e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. “Se o ato de ruptura contratual ofende princípios constitucionais basilares, é inviável a preservação de seus efeitos jurídicos”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADA PORTADORA DE NANISMO E DESPEDIDA LOGO APÓS O RETORNO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PROVA PERICIAL ENFATIZADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO ATESTANDO QUE, SOB MÚLTIPLOS ASPECTOS, A INSTITUIÇÃO EMPREGADORA NÃO REALIZOU A IMPERATIVA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL DAS CONDIÇÕES LABORAIS E AMBIENTAIS PARA A TRABALHADORA COM DEFICIÊNCIA. REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM FACE DA DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. INCIDÊNCIA DOS PRECEITOS ANTIDISCRIMINATÓRIOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E DAS SEGUINTES CONVENÇÕES INTERNACIONAIS RATIFICADAS PELO BRASIL, OBSERVADO O SEU MOMENTO DE INGRESSO NA ORDEM JURÍDICA INTERNA BRASILEIRA: 1) CONVENÇÃO 111 DA OIT; 2) CONVENÇÃO 159 DA OIT; 3) CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA; 4) CONVENÇÃO DA ONU SOBRE PESSOAS COM DEFICÊNCIA E SEU PROTOCOLO FACULTATIVO. SOMEM-SE A ESTE ROL DE DOCUMENTOS NORMATIVOS INTERNACIONAIS O SEGUINTE LEQUE DE DIPLOMAS BRASILEIROS ANTIDISCRIMINATÓRIOS: 1) LEI N. 9.029/1995; 2) LEI N. 13.146/2015 (LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA). Considera-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho de empregado com deficiência quando não comprovado motivo justificável para o encerramento do pacto, emergindo, ao invés, fatores objetivos que demonstram a falta de adaptação razoável do ambiente e equipamentos de trabalho para o obreiro com deficiência, em desrespeito às normas constitucionais e internacionais ratificadas pelo Brasil com relação às pessoas com deficiência e o combate à discriminação. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do ordenamento jurídico pátrio vigente, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (arts. 1º, III e IV e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional, em conformidade com a Convenção 111 da OIT (vigorante no País há várias décadas), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. No tocante às pessoas com deficiência e também em reabilitação profissional (e a reclamante/recorrida se enquadra nesses dois perfis fáticos e jurídicos), a Convenção 159 da OIT , ratificada pelo Brasil logo após o advento da Constituição de 1988 (Decreto Legislativo n. 51, de 1989, entrando em vigor no País, em 1991), com status de emenda constitucional, em face de jurisprudência firmada pelo STF em 2008, determina a concretização, pelo empregador, de medidas adequadas de reabilitação profissional. Ora, tais medidas adequadas não foram observadas no presente caso uma vez que a obreira foi dispensada tão logo retornou da licença médico-previdenciária, ao passo que tanto o Magistrado de 1ª Instância, como o TRT condenaram a instituição empregadora por malefícios à saúde da empregada no período em que efetivamente trabalhou antes da licença previdenciária. Além disso, informou o acórdão prevalecente do TRT (ressalvado o voto vencido originário), que a instituição empregadora não realizou as adequações necessárias para o labor da obreira, a qual ostenta grave deficiência que exige significativa adequação ergonômica e treinamento compatível e eficaz. Registre-se que o voto vencedor, reportando-se ao laudo pericial elaborado pelo perito do Juízo informa que o Expert constatou “inadequação do mobiliário fornecido para a reclamante”, verificando o laudo diversos itens da NR 17 em desconformidade. São eles: 17.1.2 ; 17.3.1 ; 17.3.2 ; 17.3.3 ; 17.3.4 ; 17.4.1 e, por fim, 17.5.1 . Trata-se, conforme se percebe, de 07 (sete) referências normativas e concretas de desconformidade. Ora, o tratamento jurídico protetor e inclusivo com respeito às pessoas com deficiência aprofundou-se ainda mais com a ratificação da Convenção interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, também conhecida como “Convenção da Guatemala”, documento normativo que ingressou na ordem jurídica pátria a contar de 2001, mediante o Decreto n. 3.956/2001. Com status de supralegalidade, essa terceira convenção internacional ratificada, segundo o jurista Eduardo Milléo Baracat, não se limita mais ao modelo biométrico da Convenção 159 da OIT, “acrescentando, ainda, que a deficiência pode ser causada ou agravada pelo ambiente econômico e social” (BARACAT, Eduardo Milléo. Trabalho da Pessoa com Deficiência – estudo sobre a exclusão e inclusão social. Curitiba: Juruá, 2020, p. 105). Se não bastasse, em 2009 entra em vigência no Brasil a Convenção da ONU sobre Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que agrega pontos adicionais a esse novo sistema tutelar e inclusivo (Decreto n. 6.949/2009). Conforme expõe o jurista Eduardo Baracat, a “CDPD é ampla e complexa, referindo-se a diversos aspectos relativos ao reconhecimento, à declaração, bem como à efetivação dos direitos dos deficientes” (BARACAT, E. M. Ob. cit., p. 107). Segundo o mesmo autor, também Magistrado do Trabalho e Professor Universitário, a “ampliação do conceito de discriminação em razão da recusa de ‘ adaptação razoável ‘ (art. 2º) também é outra marca importante da CDPD” (BARACAT, E. M., Ob. cit., p. 109; grifos acrescidos). Somem-se, a par da Constituição da República Federativa do Brasil e dessas diversas convençóes internacionais ratificadas, o surgimento da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n. 13.146, de 06.07.2015, vigente no País desde janeiro de 2016). a qual também enfatiza a necessidade de adaptação razoável pelas instituições e empresas instaladas em território brasileiro. E, no presente caso, segundo o voto vencedor no TRT da 4ª Região, mostra-se clara a recusa da instituição empregadora à adaptação razoável dessa pessoa com significativa deficiência, ora reclamante e recorrida. Ainda refletindo sobre a ordem jurídica brasileira e o caso dos autos, cabe se registrar que, na esfera federal, sobressai o disposto no art. 1º da Lei 9.029/1995, que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros (redação atualizada pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, vigente desde janeiro de 2016). Some-se a este preceito, o disposto no art. 3º, IV, da Constituição de 1988 que veda, taxativamente, qualquer tipo de discriminação. Na esteira desse conjunto normativo e principiológico, foi editada a Súmula 443/TST, que delimita a pacificação da jurisprudência trabalhista nesse aspecto, com o seguinte teor: ” Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego “. Nessa ordem de ideias, se o ato de ruptura contratual ofende princípios constitucionais basilares, é inviável a preservação de seus efeitos jurídicos. Como se observa dos elementos fáticos delineados pela Corte Regional, a Reclamante foi dispensada logo após o retorno do benefício previdenciário, sendo também evidenciado que a instituição empregadora não havia realizado, mesmo no período anterior à licença previdenciária, a adptação razoável para o exercicio do trabalho por esta obreira. Considerado, pois, o contexto jurídico e fático presente nestes autos e bem enfatizado pelos votos vencedores no TRT, não há como se alterar a decisão recorrida que determinou a reintegração da trabalhadora e também fixou uma indenização por dano moral em face da dispensa discriminatória. Agravo da instituição empregadora desprovido .

A decisão foi unânime.

Processo: Ag-AIRR-20244-56.2019.5.04.0871

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