É possível emitir duplicata com valor calculado na cláusula take or pay, decide Terceira Turma

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível a emissão de duplicata fundada em contrato de compra e venda com a indicação de valor calculado com base na cláusula take or pay.

Com esse entendimento, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que declarou a nulidade de duplicatas emitidas com base na cláusula take or pay sob o argumento de que ela estabelece um consumo mínimo e não representa efetiva compra e venda.

A controvérsia envolveu ação declaratória de nulidade de duplicatas ajuizada por uma indústria de bebidas contra uma fornecedora de gás. As empresas mantinham contrato com cláusula de consumo mínimo, considerada válida pelo juízo de primeiro grau.

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a cláusula take or pay consiste em disposição contratual por meio da qual o comprador se obriga a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja entregue ou consumido.

“Uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizada, independentemente da flutuação da sua demanda”, afirmou a ministra, acrescentando que as principais finalidades da cláusula são alocar riscos entre as partes e garantir o fluxo de receitas para o vendedor.

Natureza jurídica da cláusula take or pay

Por contemplar obrigação de pagar quantia, a cláusula take or pay diz respeito à própria obrigação principal, disse Nancy Andrighi. Para ela, diversamente da cláusula penal, a take or pay não pressupõe a inexecução da obrigação principal, mas compõe a obrigação, já que define o valor a ser pago pela disponibilização de um volume específico de produtos e serviços.

“Portanto, a cláusula take or pay tem natureza obrigacional, e não penal, motivo pelo qual está sujeita ao regime geral do direito das obrigações”, ressaltou.

Todavia, segundo a ministra, deve ser avaliada, em cada hipótese, a finalidade dos contratantes na estipulação da cláusula, conforme o artigo 112 do Código Civil (CC). Isso porque não deve ser descartada a hipótese de as partes denominarem determinada disposição contratual como take or pay quando, na verdade, se trata de uma cláusula penal.

Emissão de duplicata com base em contrato de fornecimento de gás

Em sua fundamentação, Nancy Andrighi observou que a duplicata é título de crédito causal, com emissão fundada em uma compra e venda mercantil ou em uma prestação de serviços.

No caso julgado, ela considerou o contrato de fornecimento de gases um contrato de compra e venda, como o previsto no artigo 481 do CC, por existir a obrigação de fornecimento de certa quantidade de gás em troca de certa quantia em dinheiro.

Assim, para a magistrada, considerando a natureza obrigacional da cláusula take or pay, a inserção dessa espécie de disposição negocial em contrato de compra e venda de gases não deturpa o negócio jurídico, que não deixa de ser considerado uma compra e venda.

“O cálculo do montante devido com base na cláusula take or pay não quer dizer que não houve uma efetiva compra e venda. Na realidade, existe um contrato de compra e venda, mas, em determinada época, em razão de o consumo do produto ou serviço ter sido inferior ao mínimo disponibilizado, o preço devido foi calculado nos moldes do previsto na cláusula take or pay“, afirmou.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DUPLICATAS E DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE GÁS NATURAL. CLÁUSULA TAKE OR PAY. NATUREZA OBRIGACIONAL. EMISSÃO DE DUPLICATAS. VALOR CALCULADO COM BASE NO CONSUMO MÍNIMO. POSSIBILIDADE.
1. Ação declaratória de nulidade de duplicatas e de inexigibilidade de débitos ajuizada em 06⁄04⁄2018, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 28⁄05⁄2020 e concluso ao gabinete em 18⁄01⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em dizer se houve negativa de prestação jurisdicional e se é possível a emissão de duplicata fundada em contrato de compra e venda, cujo valor indicado no título tenha sido calculado com base na cláusula de take or pay.
3. A cláusula take or pay consiste em disposição contratual por meio da qual o comprador se obriga a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja entregue ou consumido. Isto é, uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizada, independentemente da flutuação da sua demanda. São duas as principais finalidades dessa cláusula: alocar riscos entre as partes e garantir o fluxo de receitas para o vendedor.
4. A cláusula take or pay diz respeito à própria obrigação principal, porquanto contempla obrigação de pagar quantia. Diversamente da cláusula penal, a cláusula take or pay não pressupõe a inexecução da obrigação principal, mas compõe a própria obrigação, já que define o valor a ser pago pela disponibilização de um volume específico de produtos e serviços. Portanto, a cláusula de take or pay tem natureza obrigacional e não de cláusula penal, motivo pelo qual está sujeita ao regime geral do direito das obrigações. É importante consignar, todavia, a necessidade de avaliar-se, em cada hipótese, a finalidade dos contratantes na estipulação da cláusula (art. 112 do CC⁄02). Afinal, não se pode descartar a possibilidade de as partes denominarem determinada disposição contratual de “cláusula de take or pay” e tratar-se, em verdade de uma cláusula penal.
5. A duplicata é um título de crédito causal, porquanto somente pode ser emitida em razão de uma compra e venda mercantil ou de um contrato de prestação de serviços (arts. 1º e 20 da Lei nº 5.474⁄1968). É certo que o contrato de fornecimento de gases é um contrato de compra e venda, à medida em que um dos contratantes se obriga a fornecer certa quantidade de gás e o outro a pagar-lhe certo preço em dinheiro (art. 481 do CC⁄02). Nessa linha e levando-se em conta a natureza obrigacional da cláusula de take or pay, conforme assentado no item antecedente, tem-se que a inserção dessa espécie de disposição negocial em um contrato de compra e venda de gases não desnatura o negócio jurídico, o qual não deixa de ser uma compra e venda.
6. O cálculo do montante devido com base na cláusula take or pay não quer dizer que não houve uma efetiva compra e venda. Na realidade, existe um contrato de compra e venda, mas, em determinada época, em razão de o consumo de produto ou serviço ter sido inferior ao mínimo disponibilizado, o preço devido foi calculado nos moldes do previsto na cláusula take or pay. Assim, é possível emitir duplicata fundada em contrato de compra e venda, ainda que o valor constante do título tenha sido calculado com base na cláusula take or pay.
7. Recurso especial conhecido e provido.

Ao dar provimento ao recurso especial da empresa de gases, Nancy Andrighi observou ser possível emitir duplicata fundada em contrato de compra e venda com valor calculado com base na cláusula take or pay.

Leia o acórdão no REsp 1.984.655.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1984655

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