A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que não configura dano moral o uso, em campanha publicitária, da imagem de um torcedor de futebol no estádio, captada sem maior destaque individual no conjunto da torcida.
O colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que negou pedido de indenização de um torcedor do Internacional cuja imagem foi capturada no estádio e usada depois em comercial de automóvel veiculado na tevê e em redes sociais.
O torcedor ajuizou ação de compensação de dano moral contra a Toyota do Brasil, apontando o uso indevido de sua imagem.
O juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente. O TJRS manteve a sentença sob o argumento de que as provas do processo não evidenciam que o uso da imagem do torcedor tenha sido desprovido de sua autorização e que tal uso tenha causado ofensa aos seus direitos de personalidade.
Ao recorrer ao STJ, o torcedor alegou que não autorizou a exposição de sua imagem e que isso lhe causou danos morais. Sustentou ainda que a empresa é quem deveria provar ter a sua assinatura em documento declarando de forma expressa o seu consentimento com a aparição no comercial.
Presunção
De acordo com a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, em regra, a autorização para uso da imagem deve ser expressa. Porém – acrescentou –, a depender das circunstâncias, especialmente quando se trata de imagem de multidão, de pessoa famosa ou ocupante de cargo público, o STJ tem dado decisões em que admite o consentimento presumível.
Nancy Andrighi frisou que o consentimento presumível deve ser analisado com extrema cautela e interpretado de forma restrita e excepcional, conforme alguns casos já analisados pela corte (REsp 1.384.424 e REsp 801.109).
Para a relatora, embora se possa presumir o consentimento do torcedor quanto ao uso de sua imagem relacionada à situação específica do estádio, essa presunção não se verifica no caso da vinculação da imagem, com fins comerciais, a uma situação totalmente alheia ao futebol – como ocorre na campanha publicitária de um veículo.
O uso da imagem da torcida – em que aparecem vários dos seus integrantes – associada à partida de futebol “é ato plenamente esperado pelos torcedores, porque costumeiro nesse tipo de evento”, disse a ministra. Por outro lado, segundo ela, “quem comparece a um jogo esportivo não tem a expectativa de que sua imagem seja explorada comercialmente, associada à propaganda de um produto ou serviço, porque, nesse caso, o uso não decorre diretamente da existência do espetáculo”.
Assim, para Nancy Andrighi, não é possível presumir, no caso em análise, que o torcedor, por estar presente no estádio para assistir à partida, tenha autorizado tacitamente a empresa a usar sua imagem em campanha publicitária de automóvel.
Contexto
No entanto, a ministra destacou que, se a imagem é – segundo a doutrina – a emanação de uma pessoa, por meio da qual ela se projeta, se identifica e se individualiza no meio social, não se pode falar em ofensa a esse bem personalíssimo quando não configuradas a projeção, a identificação e a individualização da pessoa representada.
A relatora concluiu que, embora não seja possível presumir que o torcedor tenha dado autorização tácita, o cenário delineado no processo revela que as filmagens não destacam a sua imagem, que só aparece no contexto da torcida, com várias outras pessoas – o que afasta a caracterização de danos morais.
Ao negar provimento ao recurso especial, a ministra destacou que, mesmo não tendo havido consentimento do torcedor, “não há falar em exposição abusiva” que ofenda seu direito à imagem e justifique a cobrança de indenização por danos morais.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. JULGAMENTO: CPC⁄15.1. Ação de compensação de dano moral ajuizada em 04⁄08⁄2016, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26⁄06⁄2016 e atribuído ao gabinete em 05⁄11⁄2018.2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a configuração do dano moral pelo uso da imagem de torcedor de futebol para campanha publicitária de automóvel, enquanto ele se encontrava no estádio assistindo à partida do seu time.3. Em regra, a autorização para uso da imagem deve ser expressa; no entanto, a depender das circunstâncias, especialmente quando se trata de imagem de multidão, de pessoa famosa ou ocupante de cargo público, há julgados do STJ em que se admite o consentimento presumível, o qual deve ser analisado com extrema cautela e interpretado de forma restrita e excepcional.4. De um lado, o uso da imagem da torcida – em que aparecem vários dos seus integrantes – associada à partida de futebol, é ato plenamente esperado pelos torcedores, porque costumeiro nesse tipo de evento; de outro lado, quem comparece a um jogo esportivo não tem a expectativa de que sua imagem seja explorada comercialmente, associada à propaganda de um produto ou serviço, porque, nesse caso, o uso não decorre diretamente da existência do espetáculo.5. Se a imagem é, segundo a doutrina, a emanação de uma pessoa, através da qual ela se projeta, se identifica e se individualiza no meio social, não há falar em ofensa a esse bem personalíssimo se não configurada a projeção, identificação e individualização da pessoa nela representada.6. Hipótese em que, embora não seja possível presumir que o recorrente, enquanto torcedor presente no estádio para assistir à partida de futebol, tenha, tacitamente, autorizado a recorrida a usar sua imagem em campanha publicitária de automóvel, não há falar em dano moral porque o cenário delineado nos autos revela que as filmagens não destacam a sua imagem, senão inserida no contexto de uma torcida, juntamente com vários outros torcedores.7. Recurso especial conhecido e desprovido.
Leia o acórdão.