Segunda Turma do STF vai decidir se a Lei 13.964/2019, que alterou o Código Penal e passou a prever a necessária manifestação da vítima para o prosseguimento da acusação por estelionato, pode retroagir para beneficiar réu denunciado antes dessa nova regra.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade, na sessão desta terça-feira (15), ao julgamento do Habeas Corpus (HC) 180421, em que se discute se a Lei 13.964/2019, que alterou o Código Penal e passou a prever a necessária manifestação da vítima para levar a efeito uma acusação por estelionato, pode retroagir para beneficiar réu denunciado antes da nova regra. O julgamento será retomado na próxima sessão, com o voto da ministra Cármen Lúcia.
Na sessão de hoje, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, proferido na sessão da semana passada, no sentido de que, em razão do princípio constitucional de que a lei penal não retroage, salvo em benefício do réu, a modificação da natureza da ação pública para ação penal condicionada à representação da vítima deve retroagir e ter aplicação mesmo em ações penais já iniciadas.
Automóvel
O caso concreto envolve o dono de uma revendedora de automóveis acusado de estelionato (artigo 171 do Código Penal), por ter vendido para outra pessoa o carro deixado na loja por um vizinho, em regime de consignação. Ocorre que, na época dos fatos, o Ministério Público podia apresentar a denúncia independentemente da vontade da vítima (ação pública incondicionada).
Benefício do réu
Em seu voto-vista, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a norma que trata da ação penal tem natureza mista (material e processual), por acarretar reflexos nas duas esferas. Portanto, deve retroagir em benefício do réu, devendo ser aplicada em investigações e processos em andamento, ainda que iniciados antes da sua vigência.
Segundo o ministro, a aplicação da regra inserida no parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal a processos em curso na época da entrada em vigor da norma está em conformidade com a jurisprudência do Supremo, sedimentada na interpretação de modificações semelhantes realizadas anteriormente pela Lei 9.099/1995, em relação a lesão corporal leve e culposa
Denúncia inepta
Também no entendimento do ministro Nunes Marques, a lei de 2019 introduziu uma norma de conteúdo misto, com reflexo na probabilidade da conduta em tese delituosa, o que afasta a regra do artigo 2º do CPP, segundo a qual os atos jurídicos devem ser regidos pela lei da época em que ocorreram. Dessa forma, a seu ver, por ser mais favorável ao réu, a regra deve retroagir.
Não obstante essa compreensão, no caso concreto, o ministro considera que a ação penal deve ser trancada, porque a denúncia deixou de identificar e descrever todos os elementos essenciais do tipo penal, notadamente pela ausência de efetiva demonstração de qual teria sido o artifício ou outro meio fraudulento utilizado pelo acusado em sua conduta alegadamente criminosa.
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