Óleo derivado da Cannabis deve ser fornecido pelo Poder Público em terapia de uma paciente acometida de doença neurodegenerativa grave, decidiu a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), principalmente considerando a condição de hipossuficiência da apelante.
O Juízo Federal da Subseção Judiciária de São João del-Rei/MG havia negado provimento ao pedido, ao fundamento de que “o perito judicial concluiu que não há claras evidências científicas de que haja benefício com o uso do medicamento pleiteado, que sequer está registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.
Ao apelar da sentença, a parte autora sustentou que a União tem obrigação constitucional do fornecimento do medicamento, independentemente do alto custo, em homenagem ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da garantia constitucional do direito à saúde.
Defendeu o provimento do recurso para determinar à União “o fornecimento do óleo de Cannabis rico em CBD, de uso permanente, seja através do Elixinol Extrato Rico em CBD (Canabidiol) – 5000 mg/120ml, ou do CBD OIL full spectrum CannaMeds 3000mg, conforme prescrição médica”.
Ao analisar o processo, a relatora, juíza federal convocada Kátia Balbino, explicou que a apelante sofre de doença neurodegenerativa grave (síndrome parkinsoniana atípica) e, de acordo com relatório da médica que a assiste, o uso terapêutico do óleo de Cannabis possui ação eficaz na diminuição da perda neuronal e até criando “novas sinapses”, o que pode aumentar a sobrevida da paciente e aliviar seu sofrimento.
Ressaltou a magistrada que o dever de prestar assistência à saúde constitui obrigação solidária de todos os entes da federação (União, estados, municípios e Distrito Federal). Destacou que, embora o medicamento não possua registro na Anvisa, a agência reguladora admite sua importação, consoante normatizado prevista na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 335/2020, havendo ainda regulação da prescrição por meio da Resolução 38/2013, do Ministério da Saúde”.
Concluiu a relatora, em seu voto, pelo provimento da apelação para determinar à União o fornecimento do óleo de Cannabis, nos termos da prescrição médica, e a inversão do ônus de sucumbência (que é o dever da parte perdedora de pagar o valor das custas processuais e honorários do advogado para a parte vencedora) em desfavor da União.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. ÓLEO DE CANNABIS RICO EM CBD (CANABIDIOL) OU CBD OIL FULL SPECTRUM CANNAMEDS. MEDICAMENTO NÃO CONSTANTE DA LISTA DO SUS. POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO EXCEPCIONAL. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCIBILIDADE DO FÁRMACO. PREVALÊNCIA DO PARECER DO MÉDICO QUE ASSISTE À PARTE AUTORA. SENTENÇA REFORMADA.1. O STJ apreciou a questão do fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (art. 19-M, I, da Lei nº 8.080/90), em sede de recurso repetitivo (Tema 106, REsp 1.657.156/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 04/05/2018), admitindo o fornecimento de fármacos não constante das listas do SUS em caráter excepcional, desde que atendidos os seguintes requisitos: 1) demonstração da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento do tratamento e da ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS para o tratamento da doença, o que deve ser aferido por meio de laudo médico circunstanciado e fundamentado expedido pelo médico que assiste o paciente; 2) comprovação da hipossuficiência do requerente para a aquisição do medicamento sem que isso comprometa sua subsistência e 3) que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.2. Hipótese em que, embora o produto derivado da Cannabis pleiteado não possua registro na ANVISA, a agência reguladora admite sua importação, consoante normatizado prevista RDC nº 335/2020, havendo ainda regulação da prescrição por meio da Resolução nº 38/2013, do Ministério da Saúde. Ademais, restou demonstrado nos autos, consoante relatório médico minudente de profissional especializada que assiste à parte autora, que a ora apelante sofre de doença neurodegenerativa grave (síndrome parkinsoniana atípica) e que o uso do óleo de Cannabis rico em CBD é uma terapia inovadora que possui ação eficaz na diminuição da perda neuronal e até criando novas sinapses, o que pode aumentar a sobrevida da paciente e aliviar seu sofrimento.3. Demonstrada a gravidade da enfermidade e necessidade do medicamento pretendido, porquanto o mais indicado para o tratamento médico da parte autora e estando esgotadas as demais alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS, incumbe ao Poder Público o seu fornecimento, mormente considerada a condição de hipossuficiência da autora.3. Apelação a que se dá provimento para determinar à União o fornecimento do óleo de Cannabis rico em CBD, de uso permanente, seja através do Elixinol Extrato Rico em CBD (Canabidiol) – 5000mg/120ml, ou do CBD OIL full spectrum CannaMeds 3000mg, nos termos da prescrição médica.4. Invertida a sucumbência, fixam-se os honorários advocatícios em desfavor da União em R$ 2.000,00 (dois mil reais), por apreciação equitativa (art. 85, §8º, do CPC), já incluído o trabalho adicional do patrono da parte apelante em sede recursal.
O colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto da relatora.
Processo 1002110-87.2020.4.01.3815