A Terceira Turma do TRT de Goiás aplicou recente tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 635546/MG (tema 383) para negar a um trabalhador terceirizado em Goiânia a equiparação de seu salário ao de um bancário da empresa tomadora dos serviços. O entendimento consolidado na tese do STF, publicada em maio deste ano, é o de que a equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos às mesmas decisões empresariais.
Essa decisão da Terceira Turma ocorreu em juízo de retratação após o presidente do TRT-18, Daniel Viana Júnior, analisar um recurso de revista da empresa terceirizada e remeter os autos ao Colegiado para reanálise, tendo em vista o recente entendimento do STF sobre equiparação salarial de trabalhadores terceirizados.
Enquadramento como bancário
O trabalhador ajuizou ação contra a empresa prestadora de serviços e o banco tomador dos serviços em novembro de 2016. Ele alegou que foi contratado pela empresa de tecnologia após passar por processo seletivo e, apesar de estar registrado na CTPS na função de técnico administrativo, exercia funções idênticas aos bancários na empresa tomadora dos serviços. Requereu o enquadramento como bancário, diferenças salariais e outras verbas trabalhistas.
Após o ajuizamento da ação, o trabalhador foi demitido pela empresa e ajuizou uma outra ação por dispensa discriminatória. O Juízo da 13ª Vara do Trabalho de Goiânia julgou as duas ações na mesma sentença, reconhecendo o enquadramento do técnico administrativo como bancário e determinando à primeira empresa retificar os salários na CTPS, bem como reintegrar o trabalhador ao posto de trabalho e pagar indenização pela dispensa considerada discriminatória. Também condenou o banco de forma solidária ao pagamento das diferenças salariais e reflexos.
Recursos
Inconformada com a decisão, a empresa terceirizada e a tomadora de serviços interpuseram recursos para modificar a decisão de primeiro grau. A 3ª Turma julgou os recursos parcialmente procedentes, diminuindo o valor da indenização pelos danos morais, mantendo, no entanto, o enquadramento do trabalhador como bancário e devidas verbas trabalhistas. Inconformada com essa decisão, a empresa terceirizada interpôs um recurso de revista à presidência do Tribunal, com o objetivo de levar a controvérsia ao Tribunal Superior do Trabalho.
Após analisar o recurso de revista, o presidente do TRT-18, desembargador Daniel Viana Júnior, verificou que o STF havia firmado um novo entendimento sobre esse tema e determinou o retorno dos autos ao órgão julgador, para adequação à nova tese do STF ou para fundamentar a distinção do caso.
Novo acórdão
Na reanálise do caso, o desembargador Elvecio Moura, relator no TRT-18, ressalvou inicialmente seu entendimento pessoal em contrário. Adequou, no entanto, o acórdão da Turma à decisão do STF. O magistrado ampliou o provimento parcial do recurso da empresa terceirizada para afastar a sua condenação ao pagamento dos benefícios previstos na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da categoria dos bancários, não reconhecendo, portanto, o enquadrando do trabalhador como bancário.
Os demais termos do acórdão de 20 de novembro de 2020 foram mantidos. Assim foi anulada a dispensa por justa causa do trabalhador, por ter ficado comprovado que decorreu de retaliação por ajuizamento de ação trabalhista, e mantida a obrigação de reintegração do funcionário ao posto de trabalho. Além disso, as reclamadas terão de pagar indenização por danos morais, pelo fato de a conduta ilícita atentar contra o direito constitucional de acesso à Justiça. No mesmo acórdão, o Colegiado reduziu a indenização inicialmente arbitrada em R$ 100 mil para R$ 30 mil, valor compatível com aqueles adotados em julgamentos semelhantes e em observância aos limites previstos no art. 223-G, § 1º, III, da CLT.
Tese do STF
Em 19 de maio deste ano, o STF publicou uma nova tese (tema 383) no julgamento do RE 635546/MG, sobre a não equiparação do salário dos funcionários terceirizados ao dos funcionários da empresa tomadora de serviços. Conforme o redator do acórdão, ministro Luís Roberto Barroso, exigir os mesmos valores de remuneração desses empregados significa, por via transversa, retirar do agente econômico a opção pela terceirização para fins de redução de custos (ou, ainda, incentivá-lo a não ter qualquer trabalhador permanente desempenhando a mesma atividade). Para o ministro, isso esvazia o instituto da terceirização e limita injustificadamente as escolhas do agente econômico sobre a forma de estruturar a sua produção.
Barroso também justificou que a decisão proferida na ADPF 324 (decisão que considerou lícita a terceirização em todas as atividades empresariais) ressalvou expressamente alguns direitos que devem ser assegurados em igualdade de condições aos empregados da empresa tomadora de serviços e da contratada, como treinamentos, material e
normas de segurança e saúde no trabalho. No entanto, segundo ele, esse não é o caso da remuneração, já que se trata de empresas diferentes com possibilidades econômicas distintas.
O RE 635546 ficou assim ementado:
Direito constitucional e do Trabalho. Terceirização de atividade-fim. Equiparação remuneratória. Descabimento.
1. Recurso extraordinário em que se debate se o empregado de empresa contratada teria direito à equiparação remuneratória com o empregado da empresa tomadora do serviço, quando ambos atuarem na mesma atividade-fim.
2. Conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF 324, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, a terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de decidir como estruturarão seu negócio (art. 170, caput e inc. IV, CF).
3. Do mesmo modo, a decisão sobre quanto pagar ao empregado é tomada por cada empresa, de acordo com suas capacidades econômicas, e protegida pelos mesmos princípios constitucionais. Portanto, não se pode sujeitar a contratada à decisão da tomadora e vice-versa.
4. Além disso, a exigência de equiparação, por via transversa, inviabiliza a terceirização para fins de redução de custos, esvaziando o instituto. 5. Recurso provido. tese: “A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas”.
O recurso ficou assim ementado:
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO. EQUIPARAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS ENTRE TERCEIRIZADOS E EMPREGADOS DA EMPRESA TOMADORA DO SERVIÇOS. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o “leading case” RE nº 635546/MG (Tema nº 383), fixou, em sede de repercussão geral, tese no sentido de que “a equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas” (acórdão publicado no DJE em 19/05/2021).
Processo ROT – 0011988-97.2016.5.18.0012