O atraso ou cancelamento de voo não configura dano moral presumido (in re ipsa) e, por isso, a indenização somente será devida se comprovado algum fato extraordinário que tenha trazido abalo psicológico ao consumidor.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou esse entendimento ao analisar o recurso de um passageiro que enfrentou atraso de pouco mais de quatro horas em um voo – sem apresentar, contudo, provas do dano moral alegado.
O consumidor ajuizou ação de indenização após o cancelamento de um voo doméstico. Ele iria embarcar em Juiz de Fora (MG) com destino a São Paulo às 6h45, mas foi alocado em outro voo da companhia por volta das 11h do mesmo dia e chegou à capital paulista às 14h40.
O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negaram o pedido de danos morais. No recurso especial, o consumidor alegou que o dano moral nessas hipóteses prescinde de comprovação, pois seria presumido (dano in re ipsa).
Parâmetros
Segundo a relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, em tais casos é preciso verificar o tempo que a companhia aérea levou para solucionar o problema; se ela ofereceu alternativas para melhor atender os passageiros; se foram prestadas informações claras e precisas, a fim de amenizar os desconfortos inerentes à situação; se foi oferecido suporte material, como alimentação e hospedagem; e se o passageiro, devido ao atraso, perdeu compromisso inadiável no destino.
Nancy Andrighi apontou julgados do STJ nos quais houve a comprovação do dano sofrido e, consequentemente, a procedência do pedido de indenização. Entretanto, ela destacou que, no caso analisado, não foram juntados elementos que demonstrassem os possíveis danos de ordem moral causados ao consumidor.
“Na hipótese, não foi invocado nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrente. Via de consequência, não há como se falar em abalo moral indenizável”, concluiu.
Ponderações
A ministra ressaltou que não se discute que a responsabilidade pelo atraso, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, seja da companhia aérea, mas tal constatação não significa o reconhecimento automático do dano moral indenizável.
Ela mencionou decisões do STJ de 2009 a 2014 nas quais o dano moral, na hipótese de atraso de voos, foi considerado in re ipsa. Entretanto, em 2018, ao julgar o REsp 1.584.465, a ministra promoveu nova interpretação sobre o tema, levando o processo ao julgamento colegiado da Terceira Turma.
A relatora explicou que a alegação de dano moral presumido exige ponderações, “notadamente porque a construção de referida premissa induz à conclusão de que uma situação corriqueira na maioria – se não na totalidade – dos aeroportos brasileiros ensejaria, de plano, dano moral a ser compensado, independentemente da comprovação de qualquer abalo psicológico eventualmente suportado”.
Segundo a ministra, a caracterização do dano presumido não pode ser elastecida a ponto de afastar a necessidade de sua efetiva demonstração em qualquer situação.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE VOO DOMÉSTICO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.1. Ação de compensação de danos morais, tendo em vista falha na prestação de serviços aéreos, decorrentes de cancelamento de voo doméstico.2. Ação ajuizada em 03⁄12⁄2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 17⁄07⁄2018. Julgamento: CPC⁄2015.3. O propósito recursal é definir se a companhia aérea recorrida deve ser condenada a compensar os danos morais supostamente sofridos pelo recorrente, em razão de cancelamento de voo doméstico.4. Na específica hipótese de atraso ou cancelamento de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro. Isso porque vários outros fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida.5. Sem dúvida, as circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral. A exemplo, pode-se citar particularidades a serem observadas: i) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; ii) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; iii) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; iv) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável; v) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.6. Na hipótese, não foi invocado nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrente. Via de consequência, não há como se falar em abalo moral indenizável.7. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.
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